Um projeto de cultivar polvos em fazendas marinhas gera protestos na Espanha antes mesmo de começar. Tudo devido ao status de “animal pensante” que muitos atribuem aos polvos, que já provaram em experimentos serem capazes de sonhar, terem memórias e mesmo reconhecerem pessoas.
A empresa Nueva Pescanova, que criou o projeto, afirma que sua meta é responder um mercado crescente que procura a carne de polvo e seus derivados, citando projeções da indústria de que o consumo global aumentará mais de 20% até 2028, em comparação com hoje, mostra reportagem do portal Yale Environment 360, da universidade de Yale, nos Estados Unidos (EUA).
Levando em consideração o apetite por estes animais marinhos, a empresa afirma que a criação de polvos em cativeiro poderia ajudar a conservar os estoques na natureza. Contudo seu projeto prevê um tipo de criação hoje criticada para outros animais como porcos e galinhas, usando pequenas jaulas em um confinamento cruel e excessivo, o que motiva protestos de ativistas da causa animal.
“Não devemos condenar estes animais altamente sensíveis a tal sofrimento”, escreveram grupos em petição ao governo espanhol e ao parlamento da União Europeia.
Em 2022, o governo britânico incluiu os polvos na lista de “seres sencientes” da sua Lei de Bem-Estar Animal, concedendo-lhes um estatuto semelhante ao dos vertebrados. E em Setembro de 2023, os Institutos Nacionais de Saúde dos EUA pediram ao público informações sobre novas regras sobre como os cefalópodes – um grupo que inclui náutilos, lulas e chocos – poderiam ser melhor tratados em laboratórios de investigação.
A Nueva Pescanova ainda está em fase de arrecadação de fundos para colocar sua fazenda em prática, nos mares das Ilhas Canárias, território espanhol.
Alternativas de alcance local vêm sendo usadas para controlar o abate de polvos, uma vvez que, em alto-mar, os números que existem são altamente questionáveis, podendo ser muitas vezes maior. Na Tanzânia, aldeias escolheram uma forma tão simples quanto eficaz: começaram a fechar os recifes durante três meses todos os anos.
“Faz parte do conhecimento tradicional que os polvos vivem sempre numa casa durante três meses, crescem e depois seguem em frente”, afirma Modesta Medard, coordenador do programa marinho do WWF Tanzania. Os encerramentos periódicos, que dão aos animais tempo para se reproduzirem e crescerem aumentaram a captura média de polvo, e com ela o rendimento local. Ao mesmo tempo, os recifes e os seus outros habitantes estão melhor protegidos.
Contudo, iniciativas artesanais podem não ter a tração necessária para o apetite global, mas sim um recurso em casos de comunidades desfavorecidas, que dependem do mar para se alimentar.
As fazendas de polvo têm defensores na comunidade científica. “Talvez ajude a proteger melhor as populações de polvos selvagens e a criar uma fonte adicional de proteína para nós, humanos”, diz à reportagem a ecologista marinha australiana Zoë Doubleday. O maior desafio , apontam especialistas, está na obtenção de uma ração artificial sustentável, formulada preferencialmente de origem vegetal. Caso contrário, a criação de polvo poderá simplesmente aumentar a exploração dos recursos do mar.
Pesquisadora especializada nos polvos, a zoóloga Louise Allcock, da Universidade de Galway, na Irlanda, pensa que o debate sobre o plano espanhol exige uma interrogação mais ampla. “Os porcos também são animais especiais, estão entre as criaturas mais inteligentes, mas ainda assim os mantemos em condições atrozes”, diz ela. É por isso que, na sua opinião, todo o sistema de produção alimentar precisa de ser desafiado. O objetivo deveria ser “mudar para uma dieta baseada em vegetais, tanto quanto possível” – e deixar animais selvagens e sencientes, como os polvos, tranquilos no oceano, afirma.
Fonte: Um Só Planeta