Em 476 anos de organização, Santos acumula histórias de grande impacto político, econômico e cultural no País e mundo afora. Mas a evolução da Cidade também pode ser contada por alguns detalhes que não chegam a chamar tanto à atenção.
Já parou para olhar a porta de algum prédio histórico, de uma antiga moradia?
Pois as portas de ferro e madeira que guardam a entrada de centenas de edificações de pé há séculos, não cumprem apenas as funções de estética e segurança, mas caracterizam a cultura, as relações sociais e marcam o desenvolvimento da sociedade santista.
Grande parte delas pode ser vista no Centro Histórico da Cidade, em ruas como a do Comércio, XV de Novembro, o entorno da Bolsa Oficial do Café, da Igreja do Valongo e outros locais.
Utilizadas desde os tempos mais remotos, as portas tinham somente dois papéis: impedir a interferência das condições do tempo e do clima no interior das casas, e evitar que outras pessoas ingressassem no recinto sem permissão.
Com o tempo, elas ganharam função estética, como componente da fachada, e passaram a ser produzidas de diversos materiais além da madeira, como o ferro, alumínio e vidro.
No início do século 16, as portas eram marcadas pelo estilo colonial. Naquela época, Santos possuía construções mais simples e, por isso, a maioria absoluta das portas era produzida em madeira. Na medida em que a sociedade santista foi se desenvolvendo com o aumento da população, as peças passaram a ser trabalhadas manualmente, ganhando aspecto arredondado, entalhado e ricamente adornadas.
Neste período, as portas passaram a ser entendidas como símbolo de status social. Quanto mais trabalhadas, melhor a condição financeira da família proprietária da construção. Por isso, pode-se reparar, nos dias de hoje, que entradas de edificações como palácios, castelos e palacetes costumam ser cobertas de cima a baixo com detalhes artesanais. Prédios pertencentes a igrejas, como conventos e catedrais, seguem o mesmo estilo, visto a enorme influência que tais instituições possuíam no passado.
Já as portas de ferro começaram a surgir a partir do final do século 18, com o aparecimento de usinas siderúrgicas na Europa, durante a Revolução Industrial, e no início do século 19, com a chegada da Família Real no Brasil. No Rio de Janeiro, onde a realeza se instalou, o metal passou a ser utilizado para a segurança da Família Real e devido à remodelação da arquitetura da cidade, provocada pela influência de artistas, arquitetos e pintores de diversas partes do mundo, que vieram em razão da presença real no País.
RIQUEZA DO CAFÉ
As mudanças na arquitetura carioca se expandiram ao estado de São Paulo e, consequentemente, a Santos. Utilizar ferro nas construções, material de alto custo por ser importado, já estava relacionado à questão econômico-financeira da sociedade. E, nesse ponto, as duas cidades estavam fortemente influenciadas pelo sucesso da produção e exportação do café.
Ainda na primeira metade do século 19, com a geração de riqueza proporcionada pelo comércio do grão, a arquitetura de Santos passou a ser influenciada de forma geral, tanto em edificações públicas quanto particulares. O ferro, que era pouco utilizado, começou a se tornar material comum na arquitetura da Cidade. No Município, a utilização visível e maciça deste metal pode ser notada na construção da Estação do Valongo, de projeto inglês, que fez parte da São Paulo Railway Company, de onde saiu a estrada de ferro que ligava Santos à Jundiaí.
“Eu vejo que essas portas antigas são, para Santos, uma referência de história social e econômica da Cidade deste período. Elas representam aquelas famílias que tinham muitas posses, muito dinheiro e que podiam fazer uma grande edificação e pagar bem caro para fazer a decoração de suas casas. É a representação de um período que gerou muito dinheiro por causa do café e fez uma transformação em Santos”, explica o historiador da Fundação Arquivo e Memória de Santos (Fams), Dionísio de Almeida.
No início da colonização portuguesa, quando a maioria das portas ainda era produzida em madeira, havia preocupação de que as peças seguissem um mesmo padrão para que as vilas e cidades brasileiras lembrassem os povoados portugueses. Porém, no século 19, as peças começaram a seguir outras padronagens na medida em que culturas vindas de outros países como França, Itália, Japão e Síria passaram a influir na arquitetura, tanto pelos artistas vindos do Rio de Janeiro quanto pelos imigrantes que buscavam oportunidade de vida melhor no Brasil. Neste período, em várias partes do País, passou a ser comum encontrar portas com entalhes étnicos e pintadas em cores vibrantes como amarelo, vermelho e azul.
“São peças bem bonitas, bem trabalhadas. Nós podemos considerá-las até mesmo como obras de arte. Elas, hoje, fazem parte de todo processo, de toda a história da Cidade. Quando a gente fala de evolução social política econômica de Santos e falamos das edificações, observamos essa riqueza visível através de seus portais, suas portas”, finaliza o historiador da Fams.
Fonte: PMS