Há cerca de vinte e quatro anos nascia no litoral de Cananeia, SP, uma boto-cinza especial. Com a barbatana dorsal torta para a esquerda, a “Tortinha”, como foi apelidada, passou a ser facilmente reconhecida pelos pesquisadores do Projeto Boto-cinza, uma realização do Instituto de Pesquisas Cananéia – IPeC, e até pelos moradores locais por conta da sua característica física.
“Era 2002 e na época os botos ainda eram filmados com fita. No começo, o pessoal do projeto achava que era um macho e a estimativa era que ele tinha de dois a três anos, porque ainda acompanhava a mãe. Só que depois de uns anos, perceberam que esse boto teve um filhote e daí descobriram que o Tortinha na verdade era a tortinha”, conta o biólogo e coordenador do projeto Caio Louzada.
Para reconhecer os botos da região, os pesquisadores usam uma técnica de fotoidentificação que, através de registros da barbatana dorsal dos animais, cria um banco de dados. Ao longo dos anos, a dorsal dos botos vai ganhando marcas, virando a impressão digital, o “RG” de cada um deles. É com essas marcas que os pesquisados conseguem reconhecê-los através das fotos.
Por isso que quando são jovens não é possível fazer a distinção, mas, com a má formação da Tortinha, ela conseguia ser identificada desde cedo.
“O mais especial dela é a gente conseguir observar ela muito fácil, e em campo mesmo temos uma noção individualizada de tudo o que ela faz. Isso gera proximidade, pertencimento, curiosidade, ela virou um ícone aqui na cidade”, explica.
Personagem de websérie
Acompanhada pelo projeto há mais de 20 anos, Tortinha foi escolhida para virar a personagem principal de uma websérie para o público infantil. “As aventuras de Tortinha” contará com seis episódios, pelo canal do IPeC, no Youtube. O objetivo da websérie é encantar e engajar crianças na conservação da espécie que corre risco de extinção.
“Para promover a alfabetização científica para crianças, utilizaremos a personagem Tortinha para explicar, de forma divertida e fácil, os conceitos do comportamento dos botos e sobre o complexo estuário do Lagamar. A websérie está no contexto de Cananéia, mas é um conhecimento que se aplica em todos os lugares do país onde há estuários e que o boto pode ser encontrado”, explica Caio Louzada, coordenador e pesquisador do Projeto Boto-Cinza.
Dois episódios já estão disponíveis e os próximos serão liberados aos poucos até o final do ano. Os conteúdos incluem informações sobre os botos, como tipo de alimentação, como se comunicam e até de que jeito dormem. A série também apresenta Cananeia, o Lagamar e os estuários e conta com a participação de outras espécies que ocorrem no local, que são personagens de outros materiais educativos do Projeto Boto-cinza.
Tortinha
Com cerca de dois metros e por volta dos 130 quilos, tamanho e peso normais de um boto-cinza adulto, a Tortinha já teve diversas crias e sempre é vista nas praias de Cananéia.
“Provavelmente ela já nasceu com má formação na barbatana, mas não impede ela de fazer nada, percebemos que tem o comportamento normal de qualquer outro boto”, conta o biólogo que acompanha a Tortinha desde 2009.
Segundo ele, ainda é possível que essa boto tenha mais uma ninhada. A gestação costuma durar de nove a onze meses, depois o filhote mama exclusivamente até os seis a oito meses quando começa a consumir alguns alimentos. Mas, até os dois anos e meio, os filhotes contam com o cuidado da mãe, do pai e até de outros golfinhos adultos, o que é chamado de cuidado aloparental.
A estimativa de vida de um boto-cinza, até onde se sabe, é de 30 a 34 anos, mas por volta dos 27 o animal para de se reproduzir.
“Isso é algo curioso, porque mesmo depois dessa idade, os botos ainda vivem bastante e desempenham um papel social muito importante no grupo, cuidando de filhotes e ensinando diversos comportamentos”, esclarece.
Boto-cinza (Sotalia guianensis)
O boto cinza é encontrado apenas no Oceano Atlântico e está presente em todo litoral brasileiro, com exceção do estado do Rio Grande do Sul.
Apesar do boto-cinza ter uma população estável de acordo com as pesquisas do Instituto nos últimos anos (há cerca de 400 botos em Cananéia), a espécie é considerada Vulnerável.
“O boto-cinza está muito associado à costa e regiões de manguezais, que é justamente onde temos um maior desenvolvimento antrópico, então precisamos cuidar da espécie”, finaliza Louzada.
Fonte: G1