Em uma realidade de despejo anual de milhões de toneladas de plástico nos mares em todo o mundo, a faxina se torna fundamental. Em várias cidades, grupos ambientalistas realizam campanhas de conscientização e mutirões de limpeza para remover lixo de praias e impedir que a sujeira chegue ao mar. Mas a ONG holandesa The Ocean Cleanup elevou essa militância a um outro patamar.
A entidade desenvolveu diferentes sistemas que, utilizando embarcações, redes e barreiras flutuantes, promovem a retirada da sujeira flutuante nos oceanos ou interceptam o lixo sólido nos rios, impedindo a contaminação do mar. Nos últimos dez anos, a organização removeu mais de nove mil toneladas de sujeira em diferentes partes do planeta. Até 2040, a meta é limpar 90% do plástico que boia na superfície dos oceanos.
A ONG foi fundada em 2013, pelo holandês Boyan Slat. Criador da tecnologia usada na remoção do plástico, ele ganhou o prêmio Campeões da Terra, da ONU, destinado a pessoas que causam impactos positivos ao meio ambiente.
Um primeiro protótipo do sistema de limpeza foi lançado em 2018. Hoje, a Cleanup já trabalha com a terceira versão, que consiste em barreiras flutuantes de cerca de 800 metros, em forma de U, semelhantes a uma rede de pesca, puxadas por barcos. Acopladas à “barreira”, câmeras capazes de escanear a superfície da água identificam manchas de lixo e direcionam os barcos. Quando o compartimento das embarcações fica cheio, o material é levado ao continente para reciclagem.
Esse sistema é usado pela ONG nos EUA, no Caribe e na Ásia. O principal foco da organização é a chamada Grande Mancha de Lixo do Pacífico, entre o Havaí e a Costa Oeste dos EUA, considerada o maior vórtice de poluição plástica oceânica do mundo. Toda a operação na área é realizada de forma a causar mínimo impacto na vida marinha. Os barcos se movem lentamente, e as redes são fabricadas e monitoradas com a preocupação de que animais não fiquem presos no equipamento.
Recentemente, a ONG desenvolveu também um sistema especial para rios que instala barreiras para impedir que o lixo atinja o oceano. Essa é considerada a primeira solução escalonável a tratar do problema no trajeto da poluição. A tecnologia já funciona em cidades de Indonésia, Malásia, Vietnã, República Dominicana, Estados Unidos, Jamaica e Guatemala.
Barreira para o lixo
Chamado de “Interceptor Original”, o sistema de barreira nos rios é transportado por um catamarã, que recolhe o lixo sem atrapalhar o fluxo de água. Todo o material sólido é direcionado por uma esteira até chegar a um dos seis contêineres na embarcação coletora.
— Nos primeiros anos, a missão era entender o problema. Sabíamos que havia plástico no oceano, mas nem sabíamos o quão ruim era, onde estava todo o plástico ou se realmente conseguiríamos resolver — explica Matthias Egger, diretor de Assuntos Ambientais e Sociais da Ocean Cleanup. — Enquanto desenvolvemos um sistema de limpeza que pode ser usado no meio do oceano, também criamos uma tecnologia de limpeza de rios, em que podemos realmente pegar o plástico antes de a sujeira entrar no mar. Foi um desafio de engenharia. Precisávamos de uma máquina que conseguisse sobreviver a certos elementos da natureza, como ondas gigantes.
A ONG ainda não tem atuação no Brasil, mas há planos para isso no futuro. Egger explica que cada rio é “essencialmente diferente”. Então, é preciso achar a melhor solução considerando as condições locais.
— Se você quiser limpar a área costeira do Brasil, a primeira coisa a fazer é interceptar o plástico que vem dos rios para o litoral. Uma vez que a poluição está no oceano, as correntes a levarão para todos os lados — resume o diretor.
A organização mantém uma página no Instagram na qual publica vídeos dos sistemas em funcionamento para 2,3 milhões de seguidores. Na última sexta-feira, a ONG usou seu perfil para divulgar que o Interceptor 006, em ação no Rio Las Vacas, na Guatemala, realizou a maior captura de plástico desde a fundação da entidade. Foram 1.400 toneladas de lixo, que encheram 272 caminhões, bloqueadas e removidas antes que atingissem o mar.
Para que chegue a mais países no mundo, o próximo desafio, explica Egger, é aumentar a escala dos sistemas de limpeza, o que exige, claro, mais financiamento. A Ocean Cleanup tem parcerias importantes com universidades e firmas multinacionais. Na Dinamarca, uma grande empresa de navegação ajuda no financiamento de barcos.
Após mais de dez anos de trabalho, a ONG não só gerou impacto na limpeza de oceanos como acumulou dados e estatísticas antes pouco conhecidos sobre a dinâmica da poluição oceânica. Sabedoria essencial, frisa Egger, para que o objetivo final seja alcançado.
— Para se chegar à fonte do problema, é preciso saber de onde vem a poluição e quais os resíduos mais encontrados. É fundamental fornecer essas informações para que autoridades formulem políticas públicas e tomem decisões bem embasadas — explica o diretor da Ocean CleanUp, acrescentando que, nos rios, o lixo mais encontrado é de uso único, ou seja, são produtos descartáveis consumidos pela população local. — Já no meio do oceano, o lixo mais comum é da grande indústria pesqueira. Isso é uma informação nova, que não tínhamos no início.
A ONG também identificou que não há uma concentração acima da média de poluição dos países do Sudeste Asiático, usualmente criticados por suas frágeis políticas ambientais.
— Ouvimos que a maior parte da poluição por plásticos vem do Sudeste Asiático, mas nem sempre é o caso. Na verdade, encontramos muito plástico dos EUA, da Coreia do Sul, da China e do Japão. Esses países têm grande responsabilidade — afirma Egger.
A poluição plástica afeta a população marinha, mas também os humanos, lembra o especialista. Enquanto animais morrem por ingestão de plástico no oceano (não necessariamente devido ao plástico em si, mas por causa dos produtos químicos agregados ao material), estudos revelam a gravidade dos danos para a saúde humana, como complicações cardíacas e cognitivas.
Acordo global
A Cleanup está envolvida nas negociações para a elaboração de um tratado global, mediado pela ONU, para combater a poluição plástica. Egger, que estará presente na próxima mesa de negociação, esta semana, no Canadá, sente-se otimista com as perspectivas.
— É um tratado ambicioso, que pode resolver um problema. É importante garantir que muito menos plástico seja jogado no ambiente. Mas também defendemos que se deve tratar o plástico que já está na natureza. Não só nos oceanos, mas também no continente — afirma o ambientalista, lembrando a importância de se preservar oceanos para combater as mudanças climáticas. — É fundamental que a gente mantenha um ecossistema saudável. O oceano captura CO₂ e produz o oxigênio que respiramos.
Fonte: Um Só Planeta