Avistar uma baleia jubarte navegando pelas águas do Litoral Norte de São Paulo era coisa muito rara até alguns anos atrás. Não mais. O número de avistagens de jubartes na região bateu recorde em 2021: foram 130 registros no ano, mais do que o dobro de 2020, segundo o Projeto Baleia à Vista (Probav), um projeto de ciência cidadã que monitora a presença desses grandes cetáceos na região. “Esse ano aconteceu alguma coisa diferente, que precisa ser explicada ainda”, disse o fundador e coordenador do projeto, Júlio Cardoso.
Cada registro corresponde a uma ou mais baleias avistadas juntas na natureza. Registros fotográficos são utilizados para diferenciar os animais e fazer uma estimativa de indivíduos, já que cada jubarte possui características morfológicas únicas, principalmente na cauda, que servem como uma “impressão digital” do animal. Os dados ainda estão em revisão para publicação, mas apontam para um crescimento da ordem de 90% no número de animais avistados entre 2019 e 2021, segundo o Probav.
O recorde paulista veio acompanhado de outra marca histórica: um recorde de encalhes de jubartes em território nacional. Segundo o Projeto Baleia Jubarte, que monitora a espécie no País há mais de 30 anos, foram registrados 230 encalhes de jubarte no Brasil em 2021, comparado a 76 em 2020. O recorde anterior era de 131 encalhes em 2017 (cada “encalhe” significa uma fatalidade: uma baleia que já chegou morta ou morreu encalhada em terra firme).
É provável que os dois fenômenos estejam conectados — aumento no número de encalhes e de baleias próximas da costa —, mas ainda é cedo para fazer um diagnóstico científico das causas e consequências. Uma hipótese levantada pelos pesquisadores é que uma combinação de aumento populacional (decorrente da proibição da caça e dos esforços de conservação da espécie nos últimos 50 anos) com redução da oferta de alimentos na Antártida (decorrente de variações sazonais, potencialmente agravadas pelas mudanças climáticas) esteja fazendo com que mais jubartes cheguem ao Brasil ainda “com fome” e, consequentemente, se aproximem do litoral em busca de comida.
As jubartes são animais migratórios, que tradicionalmente passam os verões se alimentando nas regiões polares e os invernos se reproduzindo nas águas calmas e quentes das latitudes tropicais.
“Estamos tentando entender a dinâmica do que aconteceu neste ano (2021) — se realmente está relacionada à questão da disponibilidade de alimento — e do que pode acontecer daqui para frente”, diz o coordenador de pesquisa do Projeto Baleia Jubarte (PBJ), Milton Marcondes. A partir deste ano (2022) o projeto, com sede na Bahia, passará a incluir o Litoral Norte de São Paulo em sua área de monitoramento, cujo limite sul, até agora, era o Espírito Santo.
Atração turística
Seja qual for o motivo para as jubartes se aproximarem do litoral norte de São Paulo, o fato é que elas já se tornaram uma atração turística de inverno na região, principalmente em Ilhabela e São Sebastião. As prefeituras já fazem campanhas publicitárias, avisando que “as baleias chegaram”, e organizam cursos de capacitação para pilotos de embarcações e operadores de turismo interessados em trabalhar com a observação de cetáceos.
Até agora não houve registro de acidentes, mas é preciso ficar atento — não só para a segurança das baleias, mas também das embarcações, já que uma jubarte adulta pode medir 15 metros e pesar 40 toneladas. O Projeto Baleia Jubarte, que é patrocinado pela Petrobras, possui um guia sobre observação de baleias disponível on-line para download.
Desde que não ofereça perigo a elas ou a seus filhotes, as jubartes são animais tipicamente dóceis e tranquilos. “Elas são muito curiosas; você para o barco e elas vêm para perto espiar”, conta Cardoso, um ex-executivo de grandes empresas que largou a vida corporativa para viver à beira-mar e se dedicar à observação da fauna marinha, sua grande paixão. Ele lançou o Probav em 2016, em parceria com sua companheira, a bióloga e fotógrafa de natureza Arlaine Francisco.
Aos 73 anos, Cardoso tem o que todo pesquisador profissional de cetáceos gostaria de ter: tempo e dinheiro para estar o tempo todo no mar, com um par de binóculos e câmera fotográfica no pescoço. Entre junho e outubro, a equipe do Probav faz cinco saídas de campo por semana, para monitorar uma área de até 40 quilômetros de distância da costa entre São Sebastião e Ubatuba.
As observações são feitas seguindo metodologia científica e os registros são enviados para um repositório internacional de fotoidentificação de baleias, chamado Happy Whale. “Sabemos muito menos do que achamos que sabemos sobre os cetáceos, e enquanto eu puder ajudar a descobrir mais coisas eu estarei no mar, mesmo com o custo dos combustíveis nas alturas”, brinca o ex-executivo, que banca todo o trabalho do próprio bolso.
Jornal Encontre Tudo Litoral | Fonte: Jornal da USP