A morte branca: aquecimento do Atlântico ameaça corais do país, com efeito na pesca e no turismo

No mar, a morte é branca. Os recifes de corais, berçários de vida marinha, começaram a branquear no Nordeste e no Sudeste devido à temperatura elevada do Oceano Atlântico, combinada aos efeitos do El Niño. Levantamento da Rede de Monitoramento do Branqueamento Coral Vivo, parceria de universidades, entidades governamentais e associações da sociedade civil, revela que em alguns recifes do Nordeste, até 100% dos corais já branquearam.

Coral deteriorado (Foto: Reprodução/Coral Reef Rescue Initiative)

O branqueamento leva à perda das funções do coral e, muitas vezes, à morte. A degradação acontece depressa, mas a recuperação pode levar anos. Os recifes coralinos abrigam 25% da fauna marinha. São o ambiente com mais agrupamentos de espécies da Terra.

Estima-se que, no Brasil, 18 milhões de pessoas dependam direta ou indiretamente dos recifes. Eles são a base da pesca artesanal e da indústria do turismo do litoral. E também o principal indicador vivo de alterações na temperatura do mar no Brasil.

Recifes no Rio Grande no Norte esbranquiçados por causa do aumento da temperatura (Foto: Kelly Inagaki/UFRN)

— A situação é extremamente preocupante porque o mar segue quente — resume Débora Pires, uma das fundadoras do Coral Vivo, maior programa contínuo de monitoramento de branqueamento de corais do mundo, que se estende em 20 pontos do Ceará a Santa Catarina, numa faixa de 2,7 mil quilômetros.

O calor leva o caos ao oceano, e 1°C é suficiente para dar fim à harmonia entre corais e algas zooxantelas, com quem têm uma relação de simbiose. As algas começam a produzir substâncias tóxicas e liberam água oxigenada. Os corais não suportam a agressão e as expulsam.

Sozinhos, os corais perdem cor e comida. Seu tecido branco fica exposto. Se o branqueamento perdura e é intenso, morrem e outras algas cobrem seus esqueletos, e formam tapetes que destroem os recifes.

No Caribe, onde houve intenso branqueamento no ano passado, quase todos os recifes se tornaram cemitérios marinhos.

O branqueamento deste ano é o segundo do tipo registrado no Brasil. O primeiro foi entre 2019 e 2020. Este preocupa mais porque, na primeira vez, os corais estavam saudáveis. Agora, foram atingidos quando ainda se recuperavam.

— Não sabemos que tipo de consequência um branqueamento como esse pode ter sobre corais enfraquecidos. É inédito. E mesmo que a La Niña venha, pode não resfriar o suficiente. Apesar de estarmos no fim do El Niño, as anomalias de calor continuam a aumentar — frisa Miguel Mies, professor da USP e diretor do Coral Vivo.

Os corais são criaturas do calor, mas sua zona de conforto no Brasil fica entre 26°C e 27°C. Mesmo um lugar notoriamente de águas frias, como Arraial do Cabo, registrou 30,5°C. No Nordeste, a água chegou a 33°C.

O mar está quente desde 2023. E o estresse de meses de calor, como agora, pode acabar com o que o que a natureza levou milhares de anos para construir. Um coral cresce, em média, um centímetro por ano.

Drone mostram corais com branqueamento no local conhecido como Parrachos de Fogo, no Rio Grande do Norte (Foto: Guilherme Longo/LECOM-UFRN)

Pior da Bahia ao Ceará

A situação detectada pelo Coral Vivo é pior da Bahia ao Ceará. Até o momento, quatro dos 20 pontos de monitoramento tiveram branqueamento severo, com destaque para Parrachos do Rio do Fogo, no Rio Grande do Norte, e pontos da Área de Proteção Ambiental Costa dos Corais, entre Pernambuco e Alagoas.

Outras localidades estão em alerta, com branqueamento moderado, como na Baía de Todos os Santos, ou leve, em outros pontos da Bahia, além da Paraíba, Sergipe e no Estado do Rio. O único alívio é que os recifes de Abrolhos, os mais importantes do país, não tiveram branqueamento detectado.

Num dos recifes mais espetaculares do Brasil, o de Parrachos do Rio do Fogo, a 30 metros de profundidade a água estava a 30°C. Na superfície, estavam ainda dois graus mais quentes.

Esses recifes ficam a cerca de seis quilômetros da costa e alguns estão em águas rasas, de profundidade de 10 cm. Formam piscinas de água cristalina que estão entre as principais atrações turísticas do Rio Grande do Norte.

O monitoramento realizado na quarta-feira revelou que 100% dos corais sofreram algum grau de branqueamento. Lá o fenômeno começou em março. Mas só deve chegar ao pico este mês, se prolongando até maio, explica Guilherme Longo, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

— Este ano está diferente. Além da água muito quente, o vento enfraqueceu e o mar está mais calmo que o normal. A água está extremamente transparente. A transparência aumenta a intensidade de radiação que chega aos recifes e acentua o branqueamento — frisa Longo, coordenador do projeto De Olho nos Corais, apoiado pelo Instituto Serrapilheira.

As mudanças climáticas apontadas como provável causa de o Atlântico estar tão quente são associadas à ação humana. Mas o ser humano não tem o poder de salvar os corais. Débora Pires enfatiza que danos podem ser amenizados com a criação de unidades de conservação e combate da poluição e da sobrepesca. Mas segundo ela, todas experiências para recuperar os corais branqueados falharam.

— Nossos recifes eram considerados mais resilientes ao calor. Agora até eles estão sofrendo muito — diz Pires.

Fonte: Um Só Planeta

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