Uma pesquisa com tubarões pata-roxa (Scyliorhinus canicula), a espécie mais comum da Europa, indicou que as mudanças climáticas podem reduzir consideravelmente a chance de sobrevivência desses animais. Se nada for feito, a taxa de eclosão pode cair dos atuais 82% para 11% até o ano de 2100.
Os resultados do estudo, antecipados em nota à imprensa, serão apresentados oficialmente na Conferência Anual da Sociedade de Biologia Experimental, que ocorre esta semana em Praga, na Tchéquia.
Nos oceanos, as mudanças climáticas podem ser percebidas, sobretudo, por dois fenômenos: o aumento da temperatura e a queda dos níveis de pH (acidificação) das águas. Ambas as alterações são causadas pelas maiores concentrações de dióxido de carbono dissolvido nos ambientes marinhos.
“Os embriões de espécies que põem ovos são especialmente sensíveis às condições ambientais”, explica Noémie Coulon, uma das autoras do estudo. “O sucesso da eclosão dos embriões é um fator crucial para a dinâmica populacional. No caso de raias e tubarões, que têm um ritmo de vida lento, baixas taxas de eclosão podem ser críticas para a renovação populacional”.
Natalidade em 3 cenários
Para verificar como as mudanças geradas pelo aquecimento global podem afetar esses animais, Coulon e sua equipe compararam as taxas de sobrevivência de embriões de pata-roxa em três cenários ambientais distintos. O primeiro deles levava em consideração o cenário real dos oceanos atuais. Desta forma, utilizou os dados médios de temperatura e pH das águas entre 1995 e 2014.
Por sua vez, os cenários experimentais foram baseados em previsões oficiais para 2100, descritas no Sexto Relatório de Avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas de 2021. Essas projeções são chamadas de Caminhos Socioeconômicos Compartilhados (SSPs).
O segundo cenário foi baseado na projeção SSP2. Nesse futuro, o avanço contra as mudanças climáticas está presente, mas a meta de zerar emissões não é alcançada. Assim, é previsto um aumento de temperatura de 2,7°C e uma queda de 0,2 no pH dos oceanos.
Por fim, o terceiro cenário foi baseado no extremo SSP5. Essa projeção representa um futuro em que os recursos de combustíveis fósseis continuaram a ser amplamente explorados em todo o mundo, levando a um aumento de temperatura de 4,4°C e uma queda de 0,4 no pH das águas.
Para avaliar o impacto desses diferentes cenários, Coulon e sua equipe mediram o crescimento embrionário e o consumo de gema em ovos do tubarão pata-roxa a cada semana durante quatro meses, enquanto registravam o sucesso da eclosão e o crescimento dos filhotes de tubarão que sobreviveram por seis meses após a eclosão.
Enquanto a equipe encontrou uma alta taxa de sobrevivência para os cenários de controle e SSP2 (81% e 83%, respectivamente), houve uma chance muito menor de sobrevivência em SSP5. No cenário extremo, a taxa caiu para apenas 11% de embriões eclodidos.
“Ficamos chocados com os resultados”, revela Coulon. Para a equipe, a mortalidade dos embriões está ligada às menores taxas de consumo de gema e crescimento, além de falha na transição para guelras internas.
Os 11% dos filhotes sobreviventes não apresentavam o padrão de crescimento típico dos outros tubarões. Os especialistas desconfiam que essa característica pode ter contribuído para sua resistência às mudanças ambientais.
“O que torna esses indivíduos especiais ainda não está claro. Mas, ao reconhecer a variação entre os organismos marinhos jovens, poderíamos avaliar melhor o futuro sucesso ecológico das espécies”, aponta a líder do estudo.
Um vislumbre de esperança
Da mesma forma que os resultados encontrados pelos pesquisadores disparam um alerta para a gravidade dos efeitos das mudanças climáticas, destacando a importância de se investir em medidas para a sua contenção, eles também oferecem um sinal de esperança para as espécies marinhas.
“Primeiramente, serve como um aviso sobre as respostas de outras espécies que podem ser ainda mais sensíveis às mudanças ambientais”, explica Coulon. “Em segundo lugar, nossas descobertas demonstram que o cenário SSP2 mais moderado pode limitar os danos a espécies como o tubarão pata-roxa, o que nos dá um incentivo positivo para reduzir nossas emissões de gases de efeito estufa”.
Fonte: Um Só Planeta