Peixe venenoso encontrado no litoral do Brasil é considerado prato de luxo no Japão

Considerado uma iguaria no Japão, o baiacu é um peixe extremamente comum na costa do litoral de São Paulo. Para se ter ideia, no país asiático, um prato que tem o baiacu como protagonista pode custar até R$ 43 mil ienes [R$ 1,5 mil] em restaurantes sofisticados. No Brasil, porém, não tem valor comercial devido à tetrodotoxina (ttx) presente no organismo, que pode até causar a morte.

O biólogo marinho William Rodriguez Schepis explicou que a espécie consumida pelos japoneses não é a mesma encontrada no litoral paulista, pois só existe no mar do Japão e da China. No entanto, a toxina é a mesma dos baiacus que são vistos e pescados por moradores da Baixada Santista.

Conforme apurado pela reportagem, a grande diferença de consumo entre os países é justificada pela quantidade de profissionais capacitados para preparar o peixe na Ásia Oriental.

O chefe de cozinha Anderson Tomihama Ferraz é especializado em culinária asiática há quase 30 anos e não recomenda o consumo do baiacu no Brasil, apesar de saber prepará-lo.

“Para o consumo do brasileiro e o conhecimento brasileiro, eu acho muito perigoso, então eu não aconselho ninguém a tentar fazer essa experiência”, afirmou.

Em Santos, pescadores costumam devolver ao mar os baiacus que mordem a isca, pois são muitos. O gerente varejista Henrique Pereira, de 38 anos, tem o hábito de pescar a cada 15 dias e, toda vez, pega vários baiacus, o que traduz como “infelicidade”.

“A gente fica na dúvida de como fazer o preparo correto, então prefere não correr o risco e devolve para natureza”, afirmou Henrique. O peixe é unanimidade entre as histórias de pescadores do bairro Ponta da Praia, pois é extremamente frequente nos anzóis da região.

O baiacu

De acordo com o biólogo William Rodriguez, existem aproximadamente 200 diferentes espécies de baiacu no mundo.

O especialista explicou que são peixes solitários, ou seja, não nadam em cardume. Além disso, a principal característica do baiacu é a capacidade de inflar o corpo.

“Quando ele está sendo perseguido por algum predador, se sente ameaçado ou quando é tirado da água, ele tem esse hábito de se inflar. Fora d’água, ele infla com ar. Dentro, ele usa a água mesmo, engole a água e infla”, explicou William.

Baiacu no Brasil

Dentre as mais de 100 espécies pelo mundo, pelo menos 15 são registradas no Brasil.

Baiacus são comuns na costa brasileira (Foto: Alexsander Ferraz/A Tribuna Jornal)

No país, o baiacu passa parte da vida em regiões com mangues e estuários (ambiente aquático de transição entre um rio e o mar), mas também habita o mar aberto e ilhas.

“Eles gostam muito de costões”, explicou William. Também biólogo marinho, Eric Comin listou as espécies presentes no Brasil:

Espécies de baiacu no Brasil

Nome científicoNome popular
Chilomycterus antennatusBaiacu-espinho-antenado
Chilomycterus antillarumBaiacu-espinho-rendado
Chilomycterus reticulatusBaiacu-espinho-pintado
Chilomycterus spinosusBaiacu-espinho-comum
Diodon holocanthusBaiacu-espinho-manchado
Diodon hystrixBaiacu-graviola
Sphoeroides camilaBaiacu-pinima, baiacu-pintado ou baiacu-mirim
Sphoeroides tyleriBaiacu-de-cavanhaque
Sphoeroides dorsalisBaiacu-marmoreado
Sphoeroides greeleyiBaiacu-areia
Sphoeroides pachygasterBaiacu-gigante
Sphoeroides testudineusBaiacu-quadriculado
Lagocephalus laevigatusBaiacu-arara
Canthigaster figueiredoiBaiacu-de-recife-mirim
Canthigaster jamestyleriBaiacu-de-cara-dourada
Fonte: Biológo Eric Comin

No litoral paulista

De acordo com William, o baiacu é comum no litoral paulista pela característica de ecossistema da Baixada Santista.

“São peixes que gostam da água salobra. Em uma fase da vida deles, eles entram no estuário, principalmente manguezais da região, que formam um abrigo na fase juvenil. Na reprodução, eles entram no estuário e usam para se reproduzir, para se alimentar”.

Eric Comin acredita que as espécies mais comuns nas cidades da Baixada Santista são: Sphoeroides camila (baiacu-pintado, baiacu-pinima ou baiacu-mirim); Lagocephalus laevigatus (baiacu-arara); diodon hystrix (baiacu-graviola) e Sphoeroides testudineus (baiacu-quadriculado).

No Japão

Em mar asiático, a espécie de baiacu considerada uma iguaria é Takifugu rubripes, conhecida como fugu. “A toxina é a mesma, o sabor eu não sei, mas deve ser parecido”, explicou William, dizendo que a espécie japonesa sofreu uma pequena redução na população, mas não se encontra em perigo de extinção.

Segundo o chef de cozinha Anderson Tomihama Ferraz, o valor do prato de fugu no Japão varia entre R$ 600 e R$ 1,5 mil, em valor convertido ao Brasil.

Para o biólogo, o preço alto pode ser justificado pelo risco de intoxicação do consumo e pela espécie não ser tão abundante do ponto de vista de pesca, pois não é capturada em grandes quantidades, já que não nada em cardume. Além disso, o prato só pode ser preparado por chefes que possuem licença.

“O profissional que for servir o baiacu tem que saber exatamente o que ele está fazendo e saber que, se fizer errado e a pessoa comer, é irreversível. Tem que ter muita responsabilidade”, afirmou Anderson.

O prato é tão famoso no país que uma marca de macarrão instantâneo lançou uma versão sabor baiacu para popularizar a iguaria (veja abaixo).

No Japão, existe macarrão instantâneo sabor baiacu. — Foto: Divulgação
No Japão, existe macarrão instantâneo sabor baiacu. (Foto: Divulgação)

Toxina

De acordo com biólogos, a tetrodotoxina presente no organismo do baiacu fica concentrada, principalmente, na pele, gônadas e fígado.

O biólogo marinho Eric Comin explicou que o contato com o peixe não causa problemas. O perigo é o consumo da carne do baiacu, pois é necessária uma limpeza completa para retirar os órgãos com veneno.

“Se retirar uma forma errada, a toxina vai contaminar toda a carne, podendo causar algum dano para quem for consumir”, disse Eric.

O profissional afirmou que alguns pesquisadores estudam se o veneno do peixe também pode ser fruto da ingestão de outros animais com bactérias que carregam a tetrodotoxina. “Muitas pesquisas vêm sendo produzidas por questão de segurança a respeito desse veneno, mantendo esses peixes longe de algumas bactérias”, disse.

Eric Comin ainda explicou que não existe um antídoto conhecido para o veneno do baiacu, por isso ele é tão perigoso, além de potente. De acordo com ele, o melhor tratamento é o suporte aos sintomas causados pela toxina, principalmente ao sistema cardiorrespiratório.

Efeitos do veneno

Baiacu infla quando se sente ameaçado. (Foto: Alexsander Ferraz/A Tribuna Jornal)

Segundo o neurologista Juarez Harding, o efeito mais preocupante da tetrodotoxina é a paralisia muscular. Isso porque a substância bloqueia os canais de cálcio no corpo e a função de força e movimento dos músculos depende, principalmente, do fluxo de cálcio e potássio.

“Essa toxina bloqueia esses canais de troca de íons cálcio, os canais de cálcio. Com isso, causa uma paralisia muscular. Vai paralisar músculos, como de respiração, causando o risco até de parada respiratória. Também vai causar risco ao coração por conta do mesmo processo”, explicou o médico.

Ainda de acordo com Juarez, outros sintomas também podem ser sentidos, pois há músculos em todo o organismo do ser humano. “Todos os nossos órgãos têm, em algum momento, uma parte que é constituída também por pequenos músculos”.

Ele detalhou: “Então a gente vai ter outros sintomas decorrentes desses efeitos no corpo todo, como tontura, formigamentos, enjoo, vômito, uma série de sintomas. Mas o principal efeito dessa toxina é essa paralisia muscular e o maior medo é a paralisia dos músculos da respiração”.

Histórias de pescadores

No Deck dos Pescadores, a maioria – senão todos – dos frequentadores têm alguma história com baiacu, pois o peixe é sempre fisgado. Muitos fazem como Henrique e o pai dele, Claudio Pereira, que dispensam o peixe no mar, mas há quem aproveite a pescaria.

O autônomo Luis Paulo da Silva Araújo, de 52 anos, aprendeu com um amigo japonês a limpar o peixe e, quando pesca o baiacu-arara, leva para casa para consumo. “O povo não sabe o que é bom”, afirmou.

Para ele, a retirada do veneno se tornou tão comum como a limpeza de uma galinha, que ele tira as glândulas. “A diferença é que, se estourar da galinha, ainda dá para aproveitar. No baiacu, joga fora, não dá para arriscar”, afirmou.

Dos dez anos que mora em Santos, há pelo menos oito Luis consome baiacu. “Limpo e como, é muito gostoso. Eu gosto de fazer strogonoff, mas é uma carne boa grelhada, frita, ensopada”, disse.

Luis Paulo tem costume de preparar baiacu para consumo próprio em Santos. (Foto: Alexsander Ferraz/A Tribuna Jornal)

Apesar disso, o chef de cozinha Anderson alerta sobre o cuidado necessário nesse tipo de consumo. “A toxina é perigosa pela contaminação dela no peixe, porque é totalmente solúvel. E, às vezes, você pode encontrar na carne ou na pele. A quantidade para fazer mal ao ser humano é bem pouquinho”, orientou.

Procurada pela reportagem, a Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo emitiu uma nota via o Instituto de Pesca. O pesquisador científico do espaço, Marcelo Ricardo, afirmou que não há regulamentação específica para a pesca de baiacu, que não é proibida no ambiente marinho.

“Em São Paulo, não existe uma frota direcionada para essa espécie, ocorrendo a captura de forma acessória (não desejada) enquanto buscam outras espécies-alvo”.

Baiacu-pinima gosta do escosistema da Baixada Santista (Foto: Alexsander Ferraz/A Tribuna Jornal)

Fonte: G1

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