Com a poluição de plástico nos oceanos em níveis alarmantes, governos de 175 países costuram tratado para combater o problema

A cada ano, de 8 milhões a 12,7 milhões de toneladas de plástico chegam aos oceanos do planeta, e as projeções indicam que a quantidade pode triplicar até 2040. Material que leva séculos para se decompor, e de reciclagem complexa, o plástico percorre um longo caminho desde o descarte irregular, carregado pelos rios até o mar. Essas manchas de lixo afetam a vida marinha e prejudicam ecossistemas que, ao capturar carbono e produzir oxigênio, são vitais para enfrentar as mudanças climáticas.

O organismo humano não está imune: microplásticos resultantes da fragmentação do resíduo já podem ser encontrados no ar que a gente respira, na água da torneira e nos frutos do mar que o Homo sapiens consome. Em grandes quantidades, podem gerar doenças cardíacas, cognitivas e até câncer.

Com a poluição de plástico nos oceanos em níveis alarmantes, governos de 175 países costuram tratado para combater o problema (Foto: Um Só Planeta)

Com a consciência de que o problema chegou a níveis alarmantes e precisa ser eliminado, a Organização das Nações Unidas (ONU) vem mediando um amplo tratado, de caráter vinculante, envolvendo governos de 175 países para combater a poluição plástica. Entre as principais medidas em análise estão a proibição do plástico descartável e a elaboração de critérios claros para garantir a reutilização e a reciclagem do material.

O objetivo da ONU é estruturar uma espécie de “Acordo de Paris sobre o plástico”. A previsão é finalizar o tratado até novembro deste ano. Uma nova e crucial rodada de negociações acontece esta semana no Canadá.

— O problema é muito grave, reciclamos muito pouco, e a maior parte vai parar no oceano. Temos problema na cadeia de reciclagem, faltam incentivos e conscientização. No Brasil, há ótimas iniciativas, mas é preciso avançar muito, como na criação de leis de restrição ao plástico — explica a cientista Maria Inês Tavares, diretora do Instituto de Macromoléculas (IMA) da UFRJ, que presta assessoria ao Itamaraty visando à participação brasileira no tratado. — A proposta é ambiciosa. Pode transformar o cenário, estou otimista.

O Brasil contribui em larga escala para a poluição do plástico. Quarto maior consumidor desse material no mundo, o país produz 11 milhões de toneladas de plástico por ano, mas recicla apenas 1,2% do total, de acordo com estudos da WWF e do Banco Mundial. Grande parte do nosso lixo plástico vai parar no mar.

Números da poluição plástica oceânica. (Foto: Editoria de Arte com dados da WWF, ONU e Banco Mundial)

Impacto do tratado

O impacto do tratado sobre a poluição dependerá das regras adotadas e de se, ao final, serão aplicadas por todos os países signatários. Um dos pontos em disputa nas negociações, que Maria Inês Tavares destaca, é a porcentagem mínima de material reciclável na confecção do plástico. Inicialmente, o tratado prevê 10%, mas o IMA defende 40%.

Ao lado da Sociedade Brasileira de Química (SBQ), o IMA atua nas discussões para subsidiar o governo brasileiro com dados técnicos nas negociações na ONU. O instituto também vem pesquisando substâncias alternativas a produtos químicos usados na fabricação. O vilão da história não é só o plástico em si, mas os aditivos, muitas vezes tóxicos, agregados ao material.

— Se encontrarmos substâncias alternativas, podemos banir os aditivos maléficos — afirma Tavares, que levanta a bandeira contra o microplástico. — O problema está na cadeia. O microplástico vem da degradação aleatória do plástico. Por isso, precisamos da separação correta, da coleta seletiva. Por sua composição, canudos e copos dificilmente são reciclados individualmente. Mas, com o descarte correto, vai ter volume suficiente para reciclagem.

Estudos recentes têm desvendado os danos do microplástico sobre o corpo humano. A presença desses resíduos nas nossas células gera reações alérgicas e até a morte celular. Microplásticos já foram identificados em pulmões e cérebros humanos. As consequências disso podem variar de inflamação a câncer. Um estudo recente publicado no New England Journal of Medicine, em março, expôs a relação da contaminação com AVC e ataque cardíaco.

— Ainda vai levar tempo para entender o impacto do plástico no organismo. Mas, quando comprovarem todos esses efeitos, pode ser tarde — explica o biólogo e youtuber Paulo Jubilut, professor no Aprova Total. — Nós ingerimos o microplástico por alimento, água e em produtos embalados, já que as partículas se soltam. Até no leite materno já foi encontrado.

A resolução das Nações Unidas para a elaboração do tratado contra a poluição plástica foi adotada em 2022, na Assembleia da ONU para o Meio Ambiente em Nairóbi, no Quênia. Além de medidas restritivas ao plástico e da elaboração de critérios vinculantes na produção, está previsto um pacote financeiro para sustentar a adoção das regras.

Uma análise publicada pela WWF indica que a maioria dos países envolvidos apoia a iniciativa, mas uma minoria, em especial as nações produtoras de petróleo (matéria-prima do plástico), vem dificultando o diálogo. A quarta rodada de negociação, marcada para esta semana, em Otawa, no Canadá, deve ser decisiva.

— Qualquer coisa menos ambiciosa nesta fase das negociações pode colocar em risco a implementação de um tratado significativo — alerta Eirik Lindebjerg, gerente da WWF para políticas sobre plástico.

‘Tsunami de plástico’

Os produtos de uso único, como copos e pratos descartáveis, além de embalagens, são os mais encontrados na poluição oceânica, explica Lara Iwanicki, gerente de advocay da ONG Oceana.

— Mesmo com novas leis que vetem os materiais ou incentivem reciclagem, a tendência da produção de plástico é aumentar, porque nosso padrão de consumo mudou muito, e a coleta seletiva não será capaz de acompanhar. Se não houver uma mudança, continuaremos transbordando plástico para o meio ambiente

A Oceana lidera a campanha “Pare o tsunami de plástico”, que conta com 80 organizações engajadas e já colheu 65 mil assinaturas para apoiar a aprovação do projeto de lei 2.524/2022, no Senado Federal, que prevê a substituição de itens como canudos, talheres e sacolas de plástico por materiais duráveis e que possam ser transformados em composto orgânico. A proposta ainda determina o pagamento a grupos de catadores por serviço ambiental.

— Estamos fechando um pouco da torneira do plástico nos mares — afirma Lara.

O plástico é um material amplamente usado em produtos médicos essenciais e em embalagens seguras para alimentos. Em nota, a Associação Brasileira da Indústria de Plástico (Abiplast) informou que apoia e participa das negociações para o tratado da ONU. A entidade, porém, critica propostas para banir o plástico e defende a economia circular, reivindicando incentivos fiscais e regulamentação para aumentar o uso de plásticos reciclados pós-consumo.

Fonte: Um Só Planeta

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