Nos últimos anos, a população de baleias do planeta cresceu consideravelmente. Ainda que seja uma boa notícia para a conservação das espécies, a mudança alerta sobre riscos do aumento nos encalhes e nas mortes desses animais. Afinal, quando acontece em praias ocupadas por humanos, o descarte de suas carcaças representa um desafio logístico.
Na maioria dos casos, as carcaças das baleias são enterradas em dunas de areia ou transportadas para aterros sanitários. Ambas as opções, porém, não são ideais, uma vez que incluem a potencial disseminação de doenças, contaminação de águas subterrâneas e a atração de micro-organismos que podem impactar a fauna local e desencadear preocupações com a segurança pública.
Foi com isso em mente que uma equipe da Universidade Griffith, na Austrália, investigou uma terceira alternativa: retornar a carcaça para o mar, para incentivar o processo natural de decomposição do animal. Mas isso também traz desafios, como evitar que o exemplar morto retorne à costa ou se torne um perigo para os barcos. Os resultados do estudo foram publicados nesta quarta-feira (10) na revista científica Journal of Marine Science and Engineering.
Reboque para o mar
A deriva de uma baleia envolve vários fatores, como vento, ondas, marés e correntes. As taxas de decomposição também têm papel importante, e podem ser afetadas pela exposição ao sol, temperatura da água e a atuação de animais necrófagos (que se alimentam de cadáveres) no céu e na água.
Assim, para investigar o movimento de carcaças, os pesquisadores instalaram um transmissor de satélite capaz de acompanhar em tempo real o trajeto feito por uma baleia morta que flutuava em direção à Sunshine Coast, na Austrália, em julho do ano passado. O animal foi identificado como uma baleia jubarte fêmea de 14 metros, provavelmente morta por um choque com um navio.
A carcaça foi descartada a cerca de 30 km da costa, perto da Corrente da Austrália Oriental, que se move para o sul. Contudo, identificou-se que os restos foram levados ao norte por uma distância de mais de 150 km.
“Nosso próximo passo foi comparar os resultados do mundo real com uma simulação de computador, para ver se um software poderia prever o caminho de deriva da baleia de forma precisa”, conta Olaf Meynecke, um dos responsáveis pelo estudo, em artigo publicado no site The Conversation. “Com o SARMAP – software projetado para encontrar embarcações perdidas no mar – simulamos o movimento dos restos mortais da baleia durante o mesmo período em que rastreamos a carcaça”.
A análise indicou que a carcaça de baleia seguiu o mesmo trajeto que um barco naufragado teria feito sob as mesmas condições. Os especialistas suspeitam que isso ocorra porque os objetos são semelhantes em termos de tamanho e exposição acima da superfície do mar.
A descoberta mostrou que é possível prever onde os restos de baleias podem acabar no mar com uma precisão surpreendentemente alta. Portanto, simular a deriva a carcaça rebocada ajudaria as autoridades a determinar o melhor local para soltura, além de reduzir os riscos de ser levada de volta para a costa.
“Isso permitiria que mais baleias mortas fossem devolvidas ao mar, onde seus restos desempenham um papel importante no ecossistema marinho. O mar profundo é geralmente privado de nutrientes, o que significa que uma carcaça de baleia afundada pode ser o único alimento disponível para muitas criaturas marinhas”, explica Meynecke.
Queda de baleia
Logo que as baleias morrem e é iniciado o seu processo de decomposição, a carcaça passa a se expandir com gás. Isso faz com que o animal flutue até a superfície, ficando à deriva no oceano, onde vira alimento para espécies de tubarões e aves marinhas.
Eventualmente, com a dissipação dos gases, as gigantes do oceano começam a afundar, até finalmente parar no fundo do mar. É neste ponto que a carcaça recebe o nome de “queda de baleia”.
Segundo especialistas do Museu de História Natural da Austrália, as quedas de baleias têm o potencial de nutrir um ecossistema inteiro de criaturas do fundo do mar, de grandes animais necrófagos a bactérias microscópicas. “Elas fornecem aos habitantes do fundo do oceano, em sua maioria deserto, uma fonte repentina e imensa de alimento”, descrevem.
Quando uma carcaça chega ao fundo do mar, peixes-bruxa, tubarões-dorminhocos, caranguejos, lagostas e uma série de outros necrófagos comem a gordura e os músculos até o osso. Estima-se que uma única baleia possa fornecer sustento por até dois anos a essas espécies.
Mesmo quando os restos mortais do animal são reduzidos a uma pilha de ossos, ainda há bastante comida para bichos menores. Caracóis marinhos, vermes de cerdas e camarões devoram quaisquer restos de gordura ou músculo.
Além disso, vermes zumbis (Osedax sp.) são capazes de se alimentar dos ossos das baleias, quimicamente quebrando colágeno e lipídeos usando métodos especializados. Esses microrganismos enterram seu sistema radicular cheio de bactérias no osso, deixando suas plumas ondulantes na água aberta, absorvendo oxigênio. As carcaças podem servir como fonte de nutrição para essas populações por 10 a 50 anos.
Vale destacar ainda que as quedas de baleia atendem também organismos quimioautotróficos, que produzem a sua própria energia a partir do contato com produtos químicos. A ação de bactérias nos ossos, por exemplo, resulta na emissão de sulfeto de hidrogênio, que pode ser usado por essas espécies.
“Antes das quedas de baleias serem melhor documentadas, acreditava-se que esse tipo de biodiversidade só acontecia em locais de fontes frias e fontes hidrotermais, onde o sulfeto de hidrogênio e o metano escapam naturalmente através do sedimento”, explicam os pesquisadores.
Tudo isso escancara a extrema importância das baleias no ciclo de vida dos ecossistemas marinhos – mesmo já sem vida. Elas são alimentadoras eficientes, ficando no alto da cadeia, oferecendo nutrientes por até meio século.
Fonte: Galileu