Pesquisa inédita revela que cavalos-marinhos presentes na Praia da Urca emitem brilhos vermelhos e verdes

É nas águas calmas e turvas da Praia da Urca que populações de cavalos-marinhos, espécie em risco de extinção, escolheram viver. Um monitoramento realizado ao longo de um ano na Baía de Guanabara pelo Projeto Cavalos-Marinhos/RJ concluiu que o trecho do mar da Zona Sul carioca é o que tem o maior número desses animais e é o único onde há uma linha crescente. Em 2015, quando o programa passou a monitorar a região mensalmente, o local apresentava três espécimes por quilômetro quadrado, e em 2023 este número triplicou, passando para nove por quilômetro quadrado. O projeto descobriu ainda que esses animais, da espécie cavalo-marinho-do-focinho-longo, emitem brilhos vermelhos e verdes. Isso acontece por meio de um fenômeno chamado biofluorescência, que é quando um animal recebe uma luz qualquer e seu corpo absorve parte dela, refletindo a outra porção em um comprimento de onda específico, em geral não visível a olho nu.

A descoberta inédita, feita em 2023 pelo Cavalos-Marinhos/RJ, ainda será publicada em uma revista científica, e a previsão é que isso aconteça nos próximos meses. Os estudos foram iniciados em 2019 no laboratório do projeto na Universidade Santa Úrsula, em Botafogo, e divulgados na revista americana Plos One. A novidade é que pela primeira vez o resultado foi alcançado em um ambiente natural.

Afugentando predadores: o cavalo-marinho-do-focinho-longo desenvolve o prolongamento da pele para se camuflar. (Foto: Divulgação/Amanda Vaccani)

Porém, o caminho ainda é longo para desvendar os mecanismos da biofluorescência, como relata a responsável pela pesquisa, Amanda Vaccani:

— Eles emitem brilhos vermelhos e verdes, mas o vermelho é a cor predominante. E essa qualidade não se restringe aos adultos, engloba também filhotes com apenas dois dias, que já são capazes de apresentar brilho verde nos olhos. Apesar de ser uma descoberta muito interessante, ainda não conseguimos explicar a função desse brilho; se ele é usado para atrair parceiros, para camuflagem, para afugentar predador ou outra coisa. Existem muitas possibilidades.

— Estamos testando se eles brilham em situações diferentes, como quando expostos a um novo objeto (neofilia/neofobia) ou quando se sentem em risco, como quando nós os manuseamos. Dependendo da função da biofluorescência, ela pode ter implicações sobre a capacidade de sobrevivência desses animais em ambiente natural. Por exemplo, caso o brilho sirva para atrair presas e a água esteja excessivamente turva devido à poluição, teremos consequências sobre as populações naturais. Então, compreender a funcionalidade da biofluorescência é muito importante — explica.

Sobre a relevância de animais na Urca, a pesquisadora diz que pode estar associada a diversos fatores, como proximidade da boca da baía, entrada mais constante de águas oceânicas ou até mesmo à qualidade do habitat em que vivem.

Projeto descobriu que esse animais, da espécie cavalo-marinho-do-focinho-longo, emitem brilhos vermelhos e verdes. (Foto: Divulgação/Athila Bertoncini)

— Essa explicação ainda não é conclusiva para os pesquisadores. Mas a Urca é um ambiente que tem se mostrado adequado para esses animais, então precisamos cuidar da área com carinho para que continue sendo — enfatiza Natalie.

Centro de educação ambiental e banco genético

Os bancos genéticos de cavalos-marinhos foram iniciados pelo projeto em 2018 e são uma raridade no mundo, ressalta Natalie. O projeto, segundo a pesquisadora, reconheceu essa necessidade, e o Brasil despontou na frente.

— Seguimos reunindo dados, monitorando e fazendo esse trabalho de educação ambiental, que já fazíamos há bastante tempo nas escolas, mas agora, com o centro temático, temos mais recursos para trabalhar. Além do conhecimento sobre a ecologia do cavalo-marinho, os alunos vivem a experiência de um pesquisador. São algumas práticas que fazemos usualmente, mas realizamos as vivências de maneira mais leve, lúdica, de acordo com cada faixa etária — comenta a pesquisadora, acrescentando que a ideia surgiu a partir da percepção de que muitas pessoas sequer sabem que cavalos-marinhos existem de verdade. — Muita gente acha que é algo do imaginário popular, que eles não existem. Também perguntam se tem no Rio de Janeiro, e essa falta de conhecimento é preocupante, porque resulta em ameaça para a espécie.

O projeto inaugurou em setembro do ano passado um centro de educação ambiental temático de cavalos-marinhos, dentro da Universidade Santa Úrsula, em Botafogo. Localizado próximo ao laboratório do projeto, os dois espaços se integram, e neles podem ser realizados passeios educativos gratuitos, abertos ao público e previamente agendados. A Escola Lycée Moliére, em Laranjeiras, e a Escola Americana, na Gávea, são duas das instituições que já estiveram no local. O espaço conta com exposição de fotos de cavalos-marinhos do Estado do Rio de Janeiro, uma área de aprendizagem e uma estação de vivência. Os alunos participam de dinâmicas e jogos, fazem descobertas com a ajuda de microscópios e podem conhecer os aquários e os animais que são reproduzidos no laboratório, para o caso de haver necessidade de reintrodução na natureza.

Algumas das curiosidades sobre o cavalo-marinho que são compartilhadas no centro educativo têm a ver com um vídeo que recentemente viralizou nas redes sociais, de um animal que tinha dado à luz cerca de 300 filhotes de uma vez. Na internet, muitos usuários se mostraram surpresos porque quem estava parindo era o macho e pela grande quantidade de bebês que nasceu. Profissionais do projeto também usaram as redes sociais para explicar que essa é a única família do reino animal em que o macho é quem dá à luz os filhotes e que é normal nascerem centenas de uma só vez. Porém, isso não significa que eles não estão em risco de extinção, pois apenas cerca de 1% — às vezes até menos — sobrevivem.

— É um processo natural, faz parte da estratégia de sobrevivência deles terem muitos filhotinhos e poucos resistirem. Alguns nascem mais fracos; outros são predados na natureza ou não conseguem se alimentar tão bem e acabam morrendo — ensina a Natalie.

Ela conta que nos últimos 40 anos a espécie vem apresentando redução populacional. No momento, o objetivo do projeto é fazer com que, assim como na Urca, que hoje tem nove deles por quilômetro quadrado mas já chegou a ter três, outros locais apresentem uma curva de crescimento. A longo prazo, a meta é que haja cerca de 230 animais por quilômetro quadrado.

Natalie explica que são duas as grandes ameaças que afetam o cavalo-marinho: a captura do animal para comercialização, o que no Brasil é ilegal desde 2014; e a pesca acidental, que é feita de arrasto industrial, na qual uma rede no fundo do mar coleta tudo que “vê” pela frente, sem um alvo específico.

— A pesca precisa ser sustentável, e a de arrasto industrial não é. Há um estimativa de que no mundo são capturados 37 milhões de cavalos-marinhos ao ano desta maneira. A Urca já foi um dos principais pontos de coleta durante muito tempo, até porque na época não era ilegal. A falta de dados permitiu que essa ameça tomasse um corpo muito forte e reduzisse as populações naturais brutalmente. Hoje em dia ainda acontece, mas bem menos. E temos parceiros, que são pescadores, mergulhadores, espalhados pela cidade. Eles são militantes, brigam quando alguém tenta capturar. Não deixam e nos ligam avisando — relata.

Natalie Freret-Meurer (à direita) e a estagiária do projeto, Júlia Jannuzzi, com crianças durante ação de limpeza na Praia Vermelha, em 2023. (Foto: Divulgação/Amanda Vaccani)

‘Muda de cor, fica grávido’

Esses parceiros do projeto citados por Natalie Freret-Meurer fazem parte do Programa Ciência Cidadã dos Cavalos-Marinhos/RJ, que consiste na formação de parceiros voluntários que forneçam dados de ocorrência desses animais. Essa colaboração permite que o projeto amplie a atuação, tendo informações sobre os cavalos-marinhos também em locais que não são monitorados, como o litoral do bairro do Flamengo.

— Graças a pessoas comuns que são apaixonadas pelo mar e pelos cavalos-marinhos conseguimos descobrir outras áreas de ocorrência desses animais e atuar de maneira mais eficiente para protegê-los — evidencia Natalie.

Um desses cientistas cidadãos é Washington Oliveira. Ele é capitão da escuna de turismo Filha de Gaia e faz passeios que saem da Urca em direção a ilhas do Rio e a Niterói. Oliveira, que trabalha na Urca há 30 anos, conta que antigamente era possível ver cavalos-marinhos em abundância, e que com o tempo eles chegaram a quase desaparecer, mas, recentemente, começaram a retornar.

— Víamos muitos, os cavalos-marinhos até ficavam presos nos nossos barcos, mas eles foram diminuindo até quase desaparecer. Depois do projeto, eles pararam de sumir. As pesquisadoras fazem um trabalho muito importante. As pessoas ficam impressionadas quando elas chegam aqui, e às vezes capturam os animais para pesquisa. Com elas, eu e outros capitães que trabalham na Urca aprendemos a proteger os cavalos-marinhos. Recentemente, um homem chegou a colocar de dez a 20 em um balde e disse que ia cuidar melhor deles em um aquário em casa. Perguntamos como na casa dele os animais ficariam melhor do que no ambiente natural deles e fizemos com que ele os devolvesse no mesmo lugar. Temos muito orgulho desse trabalho e de poder ajudar — conclui Oliveira.

O administrador Felipe Costa mergulha na Marina da Glória há quase dez anos e é parceiro do projeto desde 2022.

— Passei a mergulhar do outro lado da Marina, no quebra-mar, e comecei a ver bastante cavalo-marinho; cheguei a ver oito num único mergulho. Aí comecei a buscar alguma instituição que tivesse informações sobre eles e achei o projeto. Estou sempre fazendo fotos e vídeos e mandando para elas — diz.

O projeto também atua com educação ambiental voltada para profissionais que trabalham no mar, como pescadores. Nele, é ensinado, por exzemplo, o que fazer caso um cavalo-marinho fique preso em uma rede de pesca. O programa ministra ainda curso de biojoias para pescadoras e mulheres dos trabalhadores da Colônia Z-13 de Copacabana.

Natalie também ensina o que fazer caso alguém encontre um cavalo-marinho:

— Se o animal estiver vivo no mar, pedimos para não tocar e nos informar onde achou, usando nosso Instagram (@cavalosmarinhosrj). Caso esteja morto, pedimos para congelar e nos informar, que buscamos o animal para estudar.

O projeto foi iniciado por Natalie em 2002, quando a doutora em Ecologia ainda estava na graduação de Ciências Biológicas. Os trabalhos na Urca começaram em 2010 e seguem desde 2015 mensalmente no local e pontualmente em Botafogo. Em 2023, com a parceria da Petrobras e do Iate Clube do Rio de Janeiro, o projeto estendeu seu monitoramento, incluindo áreas mais internas da Baía de Guanabara, como o arquipélago de Paquetá e a Ilha de Palmas.

— Um animal que muda de cor, desenvolve prolongamento da pele para se camuflar, o macho é que fica grávido, que produz som para se comunicar… É fascinante! Mas esses animais estão ameaçados, e pouco se sabia sobre suas populações naturais na época. Então, inicialmente, pensei em estudá-las. Aos poucos, vi que precisávamos iniciar atividades de educação ambiental e ampliar as pesquisas. O projeto acabou surgindo como um processo natural. Na época, já professora da Santa Úrsula, fui reunindo diversos alunos que também se apaixonaram e permanecem comigo até hoje. Alguns já estão há quase 15 anos — conta, orgulhosa.

Fonte: Um Só Planeta

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