Mata Atlântica tem papel central no acordo de biodiversidade firmado na COP15

O ano de 2023 começou intenso, com acontecimentos marcantes no campo da política, economia e crises socioambientais que mobilizaram o noticiário e a opinião pública brasileira, como as operações para defesa do território e saúde do povo yanomami ou o desastre das chuvas e deslizamentos no litoral norte paulista.

Outro assunto menos comentado, mas que deve impactar fortemente o meio ambiente e a vida das pessoas, foi a adoção do novo marco global para a biodiversidade por representantes de 188 países, incluindo o Brasil, que estiveram reunidos durante a 15ª Conferências das Partes (COP15) sobre a Convenção da Diversidade Biológica da ONU, finalizada em dezembro.

O acordo histórico traz quatro objetivos básicos e 23 metas que devem ser perseguidas por governos e outros atores da sociedade até o ano de 2030. Ainda estamos no começo da década, mas com muita lição de casa para fazer, especialmente no bioma da Mata Atlântica.

Prainha, imersa na Mata Atlântica do Rio de Janeiro (Foto: Reprodução)

Uma das metas do acordo é assegurar que até 2030 pelo menos 30% das áreas degradadas do planeta estejam em processo de restauração ecossistêmica. Nesse mesmo período acontece a década da restauração dos ecossistemas declarada pela ONU e, durante a COP15, a Mata Atlântica foi anunciada como um ecossistema-bandeira para a restauração.

Considerando que a cobertura florestal na Mata Atlântica brasileira é hoje apenas cerca de 24% da floresta original, ainda há a necessidade de aumentar a escala dos projetos de restauração e trazer mais parceiros para essa agenda. Segundo artigo recente publicado na revista Nature, a Mata Atlântica é uma das áreas que mais pode trazer ganhos para o mundo com a restauração ecossistêmica em termos de diminuição da extinção de espécies e aumento do sequestro de carbono da atmosfera.

Outra importante meta do acordo é estabelecer que até 2030 pelo menos 30% das áreas terrestres e marinhas sejam conservadas por meio de sistemas eficazes e representativos de áreas protegidas. No Brasil, o conceito de Unidades de Conservação responde por boa parte dessas áreas protegidas e há um enorme desafio para alcançar a meta de conservação representativa na Mata Atlântica.

Segundo dados do Cadastro Nacional, mantido pelo Ministério do Meio Ambiente, apenas 10,3% do território da Mata Atlântica é coberto por essas Unidades de Conservação. Se forem consideradas apenas as áreas de proteção integral, esse número cai para 2%. Apesar de se saber que o cadastro possui limitações para contabilizar corretamente as áreas de determinadas esferas e as reservas privadas, ainda assim seria necessário aumentar muito a área protegida no bioma para garantir a conservação dos remanescentes florestais.

Outro problema é o fato de as Unidades de Conservação na Mata Atlântica estarem mal distribuídas e alguns ecossistemas e fisionomias ainda serem mal representados nesse sistema de áreas protegidas, especialmente nas regiões Nordeste, nas áreas interiores em contato com o Cerrado e no interior da região Sul. Arranjos de cooperação entre diferentes níveis de governo podem auxiliar a equilibrar essa conta, uma vez que experiências exitosas já existem, a exemplo de programas de incentivo e capacitação entre Estado e municípios no Rio de Janeiro ou o estabelecimento de áreas protegidas em consórcios intermunicipais, como já visto em estados do Sul.

Um avanço do novo marco global foi reconhecer e enfatizar os direitos de povos indígenas e comunidades locais sobre seus territórios tradicionais. Esses direitos devem ser respeitados e considerados em todos os processos de conservação e de repartição dos benefícios decorrentes do uso da biodiversidade. Além disso, é importante considerar que cerca de 30% das Terras Indígenas demarcadas no Brasil estão na Mata Atlântica, segundo dados do Instituto Socioambiental, e um artigo científico recente demonstrou que a cada ano após a demarcação de uma Terra Indígena na Mata Atlântica, há um aumento de 0,77% na cobertura florestal da área quando comparado com terras não regularizadas, o que reforça a necessidade de se acelerar a resolução das questões fundiárias para esses guardiões da floresta.

Já fora dessas áreas protegidas, o novo marco global faz um chamado para o manejo sustentável de áreas produtivas. Uma das metas do acordo diz respeito ao uso sustentável das áreas agrícolas e o emprego de boas práticas no campo. A Mata Atlântica produz metade dos alimentos consumidos no Brasil, possui um papel fundamental na segurança alimentar e já produz emitindo menos: apenas 26% das emissões de gases do efeito estufa do setor agropecuário são decorrentes da produção no bioma.

Práticas como a ampliação da agricultura de baixo carbono, a regeneração e a restauração florestal, bem como o fim do desmatamento, agora respaldadas pelo marco global para a biodiversidade, podem tornar a Mata Atlântica um bioma neutro em emissões advindas do uso da terra.

Para a implementação de todas essas metas, investimentos e parcerias serão necessárias. Cerca de 80% do PIB Brasileiro está concentrado na Mata Atlântica, mas ainda assim, apenas como exemplo, o déficit de investimentos para a cobertura de custos básicos do manejo de áreas protegidas da Mata Atlântica chega a mais de 20 milhões de dólares ao ano.

Segundo o relatório do Benchmark do Investimento Social Corporativo, o tema meio ambiente e clima recebe atenção de menos de 0,5% das empresas e organizações dessa rede de investidores sociais. Por outro lado, iniciativas da Fundação SOS Mata Atlântica já demonstraram como é possível mobilizar parceiros para direcionar recursos privados para fins públicos de conservação, permitindo que áreas protegidas sejam mais efetivas no atingimento de seus objetivos.

Até 2030 teremos mais sete anos, o que não é muito tempo do ponto de vista da implementação de políticas públicas. Zerar o desmatamento, frear a trajetória das mudanças climáticas e da extinção de espécies e salvar a biodiversidade são tarefas que precisam ser enfrentadas por toda a sociedade, cobrando o engajamento tanto do setor público quanto privado. O Brasil possui um papel central nessa agenda internacional e uma responsabilidade do tamanho desse país.

Fonte: Um Só Planeta

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