Maré de perigo: acidentes com peixes peçonhentos cresce no Brasil e crise do clima pode agravar ocorrências

Quando se pensa em animais venenosos, o que vem à mente da maioria das pessoas são cobras, escorpiões, aranhas e abelhas, principalmente. Pouca gente se lembra – ou se quer imagina – que peixes também podem ser peçonhentos e perigosos. Na verdade, há mais espécies venenosas desses animais do que répteis, classe a qual pertencem as serpentes, por exemplo. Agora, com as mudanças climáticas e o aquecimento das águas costeira dos oceanos a tendência é o número de acidentes crescer.

Dados do Ministério da Saúde confirmam: entre 2019 e 2022, últimos números disponíveis, os casos de pessoas vítimas de acidentes com peixes peçonhentos no Brasil cresceram 15,8%, passando de 1.277 por ano para 1.480. Disparadas na frente, como as maiores causadoras de ataques, estão as arraias, com 1.149, em 2019, e 1.355, em 2022, um aumento de quase de 18%.

Disparadas na frente, como as maiores causadoras de ataques, estão as arraias. (Foto: Kino/Unplash)

Em segundo lugar vêm os bagres, seguidos dos niquins (“niquim”, palavra de origem tupi-guarani, significa feio e espinhoso), mas cujos números de acidentes caíram de 2019 a 2022. No caso dos primeiros de 53 para 27 e os segundos de 19 para 18. As piranhas também se destacaram entre os peixes que provocaram acidentes, com o número de ataques subindo levemente de 16 para 18, no mesmo período, 12,5%. Houve ainda acidentes provocados por “peixes não identificados”, cujo número entre 2019 e 2022 passou de 35 para 50, um aumento de nada menos do que 42,8%.

Segundo o biólogo e médico veterinário Abraão Ribeiro Barbosa, da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), o número de espécies de peixes da fauna brasileira capazes de produzir algum tipo de toxina é considerável. Basta lembrar que o Brasil tem 8.500 quilômetros de costas, com águas tropicais e de temperatura temperada, nas quais vivem praticamente todas as famílias e gêneros de peixes peçonhentos e venenosos – sem falar nas águas continentais, de rios e lagos.

Dentre essas espécies, se destacam as de bagres e arraias, como as mais comuns causadoras de acidentes, dada a sua ampla distribuição no país. “Outros grupos como os do peixes-sapo (Thalassophryne sp), do peixes-escorpião e mais recentemente o do peixes-leão (ambos da família Scorpaenidae – exóticos e invasores em nosso litoral), também provocam acidentes de interesse médicos, mas ainda há poucos dados sobre agravos com estes animais”, conta Barbosa.

Bagre: segundo colocado no ranking de acidentes com peixes peçonhentos no país. (Foto: Franklin Cirino Ribeiro/WikimediaCommons)

De acordo com ele, a gravidade dos acidentes varia conforme a espécie de peixe, a quantidade de toxina inoculada e o estado de saúde e idade da vítima. Por isso é difícil rotular um determinado grupo de peixes como os mais “venenosos”. Geralmente os acidentes atingem mãos e pés, especialmente em atividades de pesca e lazer. Um bom exemplo disso são acidentes com bagres e arraias de água doce. É muito comum que banhistas pisem descalços nesses peixes, que se escondem em meio as rochas ou mesmo são descartados na areia da praia depois da despesca.

No caso das arraias, elas podem provocar ferimentos por meio de um ferrão presente em sua cauda. “Em geral (depende da espécie) a toxina desses animais possui ação necrosante local, mas também pode ter ações neurotóxicas e cardiotóxicas”, alerta Barbosa. “Logo, se atingem uma extremidade do corpo, a toxina liberada pode desencadear uma série de efeitos sistêmicos, além de lesar seriamente o local da picada.”

Por trás do aumento do número de acidentes com peixes peçonhentos no Brasil pode estar o desequilíbrio climático atual. Barbosa diz que ele pressiona o ambiente, e toda a ictiofauna sofre impacto. Por consequência os pescadores têm menos ‘peixes comerciais’ para coleta e sobram mais espécies tidos como ‘indesejadas’ na pesca, incluindo os peçonhentos e os venenosos. “Em curto prazo, podemos ter um crescimento dessas populações, que podem ocupar os espaços das espécies selecionados na pesca”, explica. “Isso, por sua vez, impacta diretamente em um maior encontros de humanos com elas, potencializando as chances de acidentes.”

Além disso, há impactos com a introdução e invasão de novas espécies, seja na água doce ou salgada, o que traz para o cenário brasileiro novas possibilidades de acidentes com esses animais. Um caso que chama a atenção é o do peixe-leão (Pterois volitans), uma invasora venenosa, nativa dos oceanos Índico e Pacífico, que foi levada de forma acidental para o Caribe, na década de 1990. De lá, ela se espalhou e chegou à costa brasileira. Até 2021, nenhum acidente com esse peixe havia sido registrado. Em 2022, houve cinco.

Com tamanho, que pode chegar a 15 cm, o peixe-leão é considerado um dos mais venenosos do mundo. Ele é bastante agressivo com humanos e seus espinhosos contém uma toxina e podem causar ferimentos e muita dor, que em alguns casos dura dias, gera febre e convulsões. “Em 2022, um deles, encontrado no litoral cearense, causou um acidente com um pescador que pisou sobre o animal”, conta Barbosa. “Foram observadas convulsões e paradas cardíacas, mas o paciente teve alta médica. No geral, os casos de morte são pouco prováveis em pacientes saudáveis, mas não se pode descartar a possibilidade disso ocorrer.”

De acordo com ele, o encontro de espécies como a do peixe-leão na costa do Brasil tem preocupado bastante a comunidade científica e pode afetar a pesca, o lazer e o turismo na costa do país. “Trata-se de uma peixe exótico, ou seja, que não pertence a nossa fauna, mas que se adapta muito bem as águas costeiras brasileiras, tanto pelas propriedades físico-químicas delas, quanto pela disponibilidade de alimento, possibilidade de abrigo e ausência de predadores naturais”, explica Barbosa. “São espécies que em cativeiro podem viver mais de uma década, e colocam milhões de ovos durante sua vida reprodutiva.”

O biólogo da UFPB conta ainda que essa espécie foi encontrada em vários fragmentos do litoral brasileiro, desde o Sudeste até o Norte do país. Ele é uma ameaça à fauna marinha local, já que se trata de predadores muito eficientes em ambientes de recifes. “Além disso, diversos casos de acidentes causado pelo peixe-leão têm sido relatados”, conta Barbosa. “Para além de uma risco ambiental, temos um cenário de risco à saúde. Isso pode mudar o modo como olhamos para nossas praias.”

Fonte: Um Só Planeta

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