Mais de 40 embalagens vindas da Europa, Ásia e Oriente Médio foram encontradas e recolhidas nas praias de Peruíbe e Mongaguá, no litoral de São Paulo, entre os meses de agosto de 2020 e 2021, em ações de limpeza realizadas pela ONG Ecologia e Movimento (Ecomov) nessas áreas.
O presidente da Ecomov e educador ambiental, Rodrigo Azambuja, explica que o levantamento é referente aos ‘lixos importados’ recolhidos nas praias Brava, do Arpoador, Guarauzinho, Parnapoa e Juquiazinho, em Peruíbe. E, com relação ao município de Mongaguá, os dados se referem às praias da região central. Segundo ele, a embalagens recolhidas de, em média, 14 países diferentes.
De acordo com Azambuja, a maioria das embalagens recolhidas são de consumo alimentício, de água, bebida, isotônico, doces e sorvetes. Além disso, aponta que há embalagens de desinfetantes, selantes, amaciantes, produto de higiene, e até produtos de uso restrito, como metabissulfito (usado para conserva de camarão).
“Em dezembro a Ecomov registrou nas praias do Parque Estadual do Itinguçu [em Peruíbe] materiais de origem da China, Malásia, Coreia do Sul, Dubai e Irã”. Ainda segundo o presidente da ONG, no município de Mongaguá, em agosto de 2020, materiais de origem chinesa foram os mais registrados. Em Peruíbe, em uma ação de limpeza em julho deste ano, foram encontrados materiais de maior predominância também da China e da Malásia. “Na sua totalidade, 99% são de continente asiático”, afirma.
Para ele, as ocorrências apontam hábitos de descarte dos navios em alto mar. “Isso mostra falha na fiscalização em alto mar. É preciso ter algum lei ou protocolo mais rígido com relação ao descarte adequado desses lixos. Entramos com uma petição em 2020 no MP sobre o assunto, com ados de 2019 e daquele ano. E agora vamos atualizar os dados de 2020 a 2021. Entraremos com a petição nova nas esferas federais no Ministério Público e vamos buscar órgãos internacionais para apontar esse crime silencioso”, destaca.
Impacto local
O monitor ambiental Amilton Pedroso de Aguiar, de 51 anos, mora em Peruíbe e relata que, há cerca de 10 dias, recolheu uma garrafa de água vinda da China em uma das praias.
“Esses lixos geram um grande impacto até para quem mora no entorno e depende da pesca, por exemplo. E é muito comum vermos esses lixos internacionais na região. Tenho fotos desse tipo de embalagem desde 2017, mas desde antes disso já tinha. É que antes não tínhamos tecnologia para registrar. O interessante é que não temos um porto exatamente perto daqui de Peruíbe, e mesmo assim encontramos muito lixo internacional. Isso norteia que o impacto chega longe”, afirma o monitor.
A técnica ambiental Cleide Assis explica que, atualmente, desenvolve atividades de educação ambiental, estudo do meio e ecoturismo no Mosaico de Unidades de Conservação Juréia-Itatins [Peruíbe]. “Em relação aos resíduos que aqui encostam, são advindos de embarcações pesqueiras e de outras grandes embarcações. Chegam através das correntes marinhas e acabam por ficar em nossas praias, restingas e manguezais. Micros e macros resíduos, encontramos praticamente de tudo. O “campeão” é o plástico, infelizmente. Em um destes encontros, me deparei com um galão oriental”, afirma.
Ministério Público
Ao G1, por meio de nota, a promotora de Justiça do Grupo de Atuação e Defesa do Meio Ambiente (Gaema), Flávia Maria Gonçalves, explica que a denúncia inicial da ONG envolvia a coleta de resíduos nas praias de um modo geral, com questionamentos sobre a eficiência da limpeza urbana de Peruíbe. Posteriormente, o Inquérito Civil (IC) foi instruído com o relatório elaborado de coleta de resíduos de origem internacional e encontro de animais marinhos mortos em decorrência de suposta ingestão de resíduos jogados no mar.
“Da parte do Gaema foi instaurado o IC colhendo-se informações iniciais e oficiais junto ao município de Peruíbe acerca dos serviços prestados nas praias de limpeza urbana, sendo enviado relatório detalhado das 29 praias atendidas na área central, cronograma diário de limpeza e empresa contratada, inclusive, número de lixeiras fixas disponíveis e contêineres aos frequentadores, ressaltando o município seu esforço na limpeza diária de 22,733 metros de extensão de praias e larguras variadas”, relata.
Com relação aos resíduos sólidos compostos de embalagens de produtos de origem internacional, com indicativo de suspeita de despejo no mar por navios nas rotas realizadas na APA Marinha Litoral Centro, a promotora explica que o Gaema requisitou informações detalhadas à Autoridade Portuária, que também apresentou relatório circunstanciado da sistemática de fiscalização.
De acordo com ela, foi informada a existência de um regulamento de Exploração do Porto de Santos (REP) no sentido da gestão dos resíduos produzidos nos navios serem geridos pelas próprias embarcações, através dos respectivos programas de gerenciamento de resíduos sólidos , sendo instrumento obrigatório, que são analisados anualmente pela Autoridade Portuária.
A promotora relata que também foi informado que, em março de 2021, foram incorporadas novas exigências legais, em relação a emissão de manifesto de transporte de resíduos (MTR), em plataforma digital, conforme Portaria MMA 280/2020 do Ministério do Meio Ambiente.
“Quanto a retirada dos resíduos das embarcações, a mesma seria disciplinada pela Resolução 2190/2011, da Antaq, que estabelece a obrigatoriedade de credenciamento de empresas de coleta de resíduos na autoridade portuária local. Por fim, as atividades fiscalizadas pela Autoridade Portuária se referem a área do Porto Organizado de Santos, de modo que em relação as atividades realizadas fora destes limites tem que obedecer à Convenção Internacional para a Prevenção de Poluição causada por Navios (Marpol 73/78), com responsabilidade de fiscalização pela Marinha e Ibama”, explica.
De acordo com a promotora, atualmente o IC aguarda as seguintes informações:
- Relatório da Fundação Florestal sobre a limpeza específica das praias que ficam dentro da Estação Ecológica Juréia Itatins;
- Informações do Ibama e Marinha acerca de fiscalizações realizadas nos últimos cinco anos sobre autuações de embarcações por despejo irregular de resíduos no mar, na região da APA Litoral Centro;
- Laudo do CAEX-MPSP quanto a possibilidade de identificação de correntes marítimas no sentido do Litoral Sul, entre o Porto de Santos e o Litoral Sul, que possam eventualmente comprovar o possível fluxo de eventuais resíduos despejados irregularmente na área de fundeio do Porto de Santos e navios que transitam na área da APA Litoral Centro.
“Como se pode perceber, embora se tenha a comprovação de que as praias da região recebem resíduos vindos da frequência das praias (que exigem constante vigilância e eficiência pelos municípios), assim como de correntes marítimas de resíduos de origem internacional, com suspeita de despejos por navios, não se confirmou até o presente momento da investigação a suspeita de que resíduos estão sendo despejados por embarcações que frequentam o Porto de Santos e quais seriam elas. Mas, a investigação prossegue”, finaliza.
Ibama
A agente ambiental federal Ana Angélica Alabarce, responsável pelo Ibama na região, explica que recentemente diversas ocorrências de lixo internacional chegando ao Porto de Santos foram atendidas pelo órgão. Em agosto, o Ibama foi acionado pela Receita Federal, sobre um contêiner vindo dos EUA contendo diversos resíduos sólidos em meio a papelões de vários tipos. “Esses papelões eram prensados, havia várias máscaras, copos descartáveis e empresa foi autuado em R$ 500 mil, além de já estar analisando o retorno dele ao país de origem”, diz.
De acordo com Ana Angélica, no mesmo dia, o Ibama atendeu outra denúncia sobre um terminal com cargas de lixo desovadas vinda dos EUA. De acordo com a agente federal, foi constatado que havia cerca de 50 contêineres, vindos desde julho deste ano, desovados em um depósito. “Havia muito resíduo doméstico. A empresa foi, na mesma hora, notificada a não transitar com aquele resíduo”, explica.
“Nesse interim, recebemos denúncia de outra situação, de que tinha 10 contêineres que vinham de Honduras, e com muito resíduo doméstico, que viria para essa mesma empresa. Ontem, começamos vistoria em outro lote de contêineres que foram bloqueados pela Receita Federal, totalmente molhado e contaminado, com uma carga de papelões já mofados”, explica. O Ibama também identificou 10 contêineres da República Dominicana, que estão fechados e no aguardo de toda documentação para serem retornados. Os órgãos federais competentes foram acionados.
Sobre as embalagens internacionais encontradas no mar e praias do litoral paulista, a agente ambiental federal explica que os navios têm grande responsabilidade com relação ao descarte de seus resíduos. “O maior problema é o de descarte de limpeza de porões que vem sendo feito por meio da água de lastro. Em setembro terá uma operação enorme com o enfoque em coibis isso. Embalagens não podem ser descartadas no mar. No Porto, logo que o navio chega, é feita inspeção de registro do lixo recolhido e de onde foi descartado, por nós e pela Marinha. O Ibama está muito atento e agindo firmemente para coibir todo esse ilícito que possa acontecer em nossas águas”, finaliza.
Fonte: G1 – Foto: Divulgação/Ecomov