Nesta sexta, membros do Instituto São Paulo/Foch, defensores da preservação do patrimônio marítimo brasileiro, correm contra o tempo para impedir que o porta-aviões São Paulo, o maior que o país já teve, deixe as águas brasileiras rumo à Europa. Na manhã de quinta (4), a embarcação começou a ser transportada para a Turquia, com destino ao estaleiro que a adquiriu no ano passado, por R$10.5 milhões. Esse leilão promovido pela Marinha, porém, foi contestado judicialmente e, ainda no fim da tarde de quinta, a justiça concedeu uma liminar ordenando que o navio volte para a Baía de Guanabara, onde ficava ancorado. Mas, segundo monitoramentos por GPS disponíveis, a determinação ainda não foi cumprida, e o porta-aviões está próximo à Região dos Lagos, perto de atravessar a fronteira brasileira, o que tornaria muito difícil a reversão do quadro.
Batizado como Navio Aeródromo São Paulo, o porta-aviões da classe Clemenceau foi construído na França, entre 1957 e 1960, e chama a atenção pelas suas dimensões: são 266 metros de comprimento, e um peso de 32,8 mil toneladas. No seu país de origem, transportou 1920 tripulantes franceses em frentes de combate na África, Oriente Médio e na Europa. Em 2000, o porta-aviões foi adquirido pelo governo brasileiro, a um custo de 12 milhões de dólares e serviu à Marinha até 2014.
Com o passar do tempo, considerando o alto custo de manutenção e a evolução tecnológica no setor, que hoje privilegia porta-aviões menores, para operações com drones, a Marinha decidiu desativar a embarcação em 2017. Naquele momento, o ex-soldado da Força Aérea Brasileira, Emerson Miura, entusiasta do assunto, entrou em contato com a Marinha e propôs um projeto de transformação do navio em um museu temático, nos moldes do “Intrepid”, em Nova York.
Inicialmente, conta Miura, a ideia foi bem aceita, mas, a partir de 2018, quando houve troca de comando na Marinha, os planos mudaram, e a decisão foi pela venda do porta-aviões, para que ele fosse desmantelado. Em 2019, houve o primeiro leilão, sem êxito. E em 2021 ele foi vendido para a Sok Denizcilik, uma empresa turca.
— No Brasil não há algo assim, como esse projeto de museu marítimo. Nossa proposta era, além do museu, oferecer cursos gratuitos e aproximas estudantes da tecnologia marítima — explica Miúra, que, para concretizar sua ideia, fundou o Instituto São Paulo/Foch, e queria levar o museu marítimo para Santos — Esse é o porta-aviões mais antigo que ainda existe hoje no continente. Agora só há porta-aviões de menor porte, para carregar helicópteros e drones. Somos o país do Santos Dummont, deveríamos preservar esse patrimônio.
Depois da compra, a empresa turca possuía 120 dias para retirar o porta-aviões do Brasil, período que terminou em setembro do ano passado e que não foi cumprido. Além disso, o Instituto alegou uma série de irregularidades processuais na execução do leilão, como negativa de recurso e inversão de fases, e também acusou que não teria havido os devidos estudos ambientais, necessários pelo fato do navio possuir toneladas de amianto em seu interior, uma substância tóxica e perigosa, cujo estado de armazenamento não há maiores informações atualmente.
– Nós não sabemos como está o amianto hoje. Na última visita que fiz ao navio, em 2018, o material ainda estava encapsulado, mas hoje não sabemos seu estado. O amianto é uma substância que penetra a pele e pode causar câncer, seu transporte deveria ser feito com muito zelo – diz Miura, que explica que amianto era bastante usado em navios na década de 60, como isolante térmico.
O próprio Emerson Miura foi impedido de participar do leilão , sob a justificativa que só seriam aceitos compradores interessados em reciclar o porta-aviões, e a finalidade de Miura seria reaproveitá-lo como museu. No contrato com os franceses, a Marinha aceitou a condição de consultar a Marinha Francesa antes de se desfazer do navio, já que se trata de um equipamento bélico, e houve a autorização para o desmantelamento.
Inicialmente, o Instituto não conseguiu a liminar para anular o leilão, mas, com a notícia de que o porta-aviões começou a ser transportado na quinta, o juiz federal Wilney Magno de Azevedo deferiu a liminar para que o a embarcação “seja impedida de sair do local em que se encontra, até a manifestação do Ministério Público Federal no processo e até que haja autorização judicial em sentido contrário”. Como a ordem não foi cumprida, na tarde desta sexta foi expedida um mandado de segurança, com a mesma finalidade.
Procurada, a Marinha não se manifestou. A Sok, que não conseguiu sequer ser intimada no processo, não foi localizada.
Fonte: G1