Instituto nacional de pesquisa e sensores em navios: entenda como o Brasil vai aprimorar o conhecimento sobre o oceano

Lacuna histórica na produção científica do país, o conhecimento sobre o oceano e a costa brasileira avançará nos próximos anos. Nos últimos meses, foram lancadas novas iniciativas que ajudarão a aumentar e integrar bases de dados importantes na indicação da qualidade das águas no litoral e dos impactos que já podem ser identificados por causa das mudanças climáticas.

Em dezembro, foi publicado o decreto que qualificou o Instituto Nacional de Pesquisas Oceânicas (Inpo) como uma Organização Social do Ministério da Ciência e Tecnologia e Inovações (MCTI) e em breve o contrato de gestão será assinado. Além disso, há três meses um projeto inédito, o C-Scope, feito em parceria entre o instituto alemão Geomar e a Uerj, vem monitorando as águas costeiras a partir de sensores instalados em um navio comercial. Todas essas informações coletadas serão vitais para formação de políticas públicas que mitiguem os danos e adaptem as cidades mais vulneráveis às mudanças climáticas nos próximos anos, explicam os especialistas.

— Sabemos que o oceano está ganhando cada vez mais importância internacional, pela clareza que se tem hoje da sua influência sobre o clima — afirma Segen Estefen, professor de engenharia oceânica da COPPE/ UFRJ e diretor-geral do Inpo, cuja missão será produzir pesquisas além de agrupar diferentes bases de dados que já existem no país sobre o tema. — Temos muitos dados pulverizados, e muitos que precisam ser complementados. O Atlântico Sul é um dos oceanos com menor número de sensores na obtenção de dados do mar. Com o Inpo, vamos atender a sociedade, na garantia de segurança em diferentes esferas, como melhorar as condições da pesca artesanal, e na antecipação de problemas.

Instalação do sistema do C-Scope a bordo do navio Vicente Pinzón
Instalação do sistema do C-Scope a bordo do navio Vicente Pinzón (Foto: Divulgação / C. Musetti)

No mês passado, o debate sobre a importância do oceano para a regulação do clima foi tema de um painel da 6ª Conferência Global de Inovação e Sustentabildiade (G-Stic 2023), evento organizado pela Fiocruz e que reuniu especialistas do mundo todo em sustentabilidade, tecnologia e inovação no Rio de Janeiro. Na oportunidade, foram destacadas iniciativas como o Inpo e o C-Scope, como exemplos do esforço que o país precisa fazer para qualificar e integrar sua produção de conhecimento oceanográfica.

De acordo com relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), o oceano, que cobre 70% da superfície da Terra, foi responsável por absorver 91% do aquecimento do planeta. Além disso, o oceano é papel fundamental na economia global, por causa, por exemplo, da pesca, e oferece soluções de energia limpa, como em parques eólicos offshore. Por outro lado, o IPCC também já apontou que cidades litorâneas são as mais ameaçadas pelo aquecimento global, devido ao aumento do nível do mar, tendência já documentada pela ciência.

Assim, os oceanos são, ao mesmo tempo, palco de preocupações e de possíveis soluções.

—Os oceanos têm muitas das soluções que o país precisa, em relação à segurança alimentar, energia limpa e carbono azul, por exemplo — afirmou, no painel da G-Stic, o pesquisador Milton Kampel, do Inpe.

Instituto sai do papel depois de anos de espera e centralizará pesquisas

Por causa desse contexto, pesquisadores brasileiros tentam, desde 2010, tirar do papel o projeto do Inpo, que também já havia sido batizado como Instituto Nacional do Mar (Inmar). Depois do impeachment em 2015, porém, o assunto esfriou, e só foi retomado no último ano, por pressão da comunidade científica, diz Estefen. Após a qualificação do Inpo como OS, agora só falta a assinatura do contrato de gestão junto ao MCTI, o que acontecerá após as nomeações finais no comando da pasta. Já se sabe que o instituto terá sede no Parque Tecnológico da UFRJ. Ainda que com fins privados, o instituto ficará próximo à pesquisa universitária, o que facilita o trabalho científico. O orçamento previsto, para manutenção e pagamento de pessoal do Inpo, é de R$10 milhões anuais pelos próximos seis anos, podendo ser renováveis, e haverá articulações também para financiamentos internacionais.

Como uma OS com contrato com o governo federal, o Inpo vai atender a objetivos traçados pelo MCTI. Já se sabe que um dos seus planos iniciais é formar um robusto banco de dados, integrando outros bancos já existentes no país, o que facilitará a troca de informações e a qualidade das estatísticas. Atualmente, a produção de conhecimento sobre o oceano no Brasil acontece de forma pulverizada, muito por iniciativas universitárias ou por ONGs. Esse cenário dificulta, por exemplo, um olhar macro, sobre uma linha do tempo da evolução dos indicadores oceânicos, o que é necessário para formulação de políticas públicas. Em relação a colaboradores, o Inpo já tem 85 cientistas e engenheiros que participarão dos trabalhos representando suas instituições, e terá 17 funcionários diretos.

— Teremos participação de pesquisadores de universidades de todo o país. É o Brasil se agrupando em um instituto que vai fazer uso tanto dos grupos de pesquisa já estabelecidos quanto das infraestruturas já existentes — afirma Estefen.

Além da produção de dados, o Inpo terá um foco na instrumentação oceanográfica, com desenvolvimento de equipamentos que tenham custos competitivos. Atualmente, a maioria dos medidores usados nos mares brasileiros são importados da Europa ou dos EUA.

— Alguns desses equipamentos o Brasil pode vir a fabricar, desde que consigamos organizar a demanda. Hoje há muito conhecimento novo que vai facilitar termos preços competitivos de novas tecnologias — prevê Segen Estefen.

Sensores em navios comerciais vão investigar acidificação do oceano

Na coleta de informações sobre o mar brasileiro, dados como temperatura, salinidade, alterações nas correntes marítimas e aumento do nível do mar são essenciais para que se tenha o conhecimento exato da condição do litoral do país hoje. Um dos processos mais evidentes provocado pelas mudanças climáticas é a acidificação do oceano. Isso acontece porque, como o oceano tem uma troca constante e dinâmica com a atmosfera, quanto mais CO2 tiver no ar, mais ele penetrará nas águas.

O resultado é um processo químico-físico que diminui o PH e altera outras propriedades do a água. Um mar com PH mais baixo afeta a vida de corais, moluscos, ostras, mexilhões e plâncton, que dependem do carbonato, substância que se reduz à medida que o PH abaixa. Esses organismos bentônicos e planctônicos são abundantes no litoral brasileiro e primordiais para o equilíbrio do ecossistema, por servirem como área de reprodução dos peixes e por serem base da cadeia alimentar.

— Se não tiver o plâncton que a sardinha come, vai afetar a cadeia inteira e o pescado como um todo. Por isso há impactos sociais e econômicos — resume Leticia Cotrim, professora da Uerj e idealizadora do C-Scope.

Cotrim trabalhou por 10 anos na Alemanha, incluindo um período no próprio Instituto Geomar, e foi lá que ela semeou a ideia de instalação de sensores autônomos em navios brasileiros, aproveitando a rota comercial ao longo da costa que já é muito explorada. Assim, o C-Scope consiste em colocar o equipamento no navio e deixar que ele faça o trabalho de mapear o oceano. Essa é a primeira vez que um sistema autônomo com essa finalidade é instalado num navio comercial no Brasil. Desde novembro passado, o C-Scope está numa embarcação que trafega entre os portos de Santos e Manaus.

Periodicamente, os pesquisadores coletam os dados que foram medidos, mas um resultado concreto sobre a acidificação das águas ainda deve levar mais de um ano, já que é preciso comparar estações e contextos diferentes.

— Enquanto vai navegando, o equipamento vai medindo CO2, salinidade, temperatura e outros parâmetros importantes. Na oceanografia, a gente sempre mede várias coisas, para entender o quadro completo — explica Cotrim, que destaca a variedade de ecossistemas ao longo da costa brasileira. — Para propormos medidas de mitigação, pressupõe conhecer bem como os ecossistemas funcionam, as relações entre organismos, como funciona a química da água do mar, a circulação entre as estações do ano. Esse conhecimento falta para várias áreas da costa brasileira, que tem grande diversidade de ecossistemas, rios, áreas preservadas, poluídas, manguezais.

Além do C-Scope, financiado pelo Geomar, um outro financiamento, da Faperj, lançou o Sentinela do Mar Fluminense, que se baseia na mesma tecnologia autônoma em navios. Mas suas ações serão voltadas para o estado do Rio, e entender o que se tem de acidificação nas águas fluminenses. Além dos dados do próprio C-Scope, haverá outras expedições menores, pela Baía da Guanabara e Baía da Ilha Grande.

— O mar tem uma memória térmica longa, o que fazemos hoje provoca impactos por décadas. Mesmo se pararmos de emitir gases de efeito estufa, não voltará ao quadro do início do século passado — explica a especialista, que chama a atenção para a necessidade de formulação de soluções regionalizadas e integração de esforços. — O Brasil já gerou muito conhecimento sobre como funciona a parte da região costeira, mas falta a integração desses dados, e o Inmar é importante nesse sentido. Como não tinha política de estado, dependemos das iniciativas dos grupos de pesquisa. Falta continuidade para o mar.

Fonte: Um Só Planeta

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