Um grupo de amigos que viajava a passeio para a Cachoeira do Paraíso, no Parque Ecológico da Juréia, em Peruíbe, no litoral de São Paulo, recebeu abrigo em uma pequena casa no meio da mata, após não conseguir ir embora devido às fortes chuvas que atingiram a região. A fisioterapeuta Richelli Santana, de 36 anos, estava junto e descreve a situação como “uma aventura de filme”.
Em entrevista nesta terça-feira (22), Richelli contou que combinou com três amigos para visitar a cachoeira um dia antes, na sexta (18), mas não consultou a previsão do tempo, que indicava chuva para o sábado (19).
Segundo Richelli, ela e os amigos chegaram à cachoeira por volta das 10h, e assim que chegaram, um monitor ambiental do local alertou o grupo sobre o risco de chuva e tromba d’água, um fenômeno que gera um tornado na superfície da queda d’água. “Ele nos disse que, se isso ocorresse, nos avisariam para sairmos de lá. Pediu para que ficássemos atentos aos sinais que a cachoeira dá quando isso acontece, também”, lembra.
No meio da tarde, por volta das 16h30, os agentes ambientais pediram para que eles fossem embora, já que a região poderia ficar perigosa com o alto volume de chuva. “Fomos até o estacionamento, onde o carro estava, e ficamos por lá um tempo, até decidirmos o que fazer. Mesmo com a chuva forte, decidimos ir embora, já que estava escurecendo e a estrada não tinha iluminação”, diz a fisioterapeuta.
Ilhados e perdidos
Quando estavam tentando retornar para casa, em Santos, Richelli Santana, que dirigia o veículo, se deparou com uma ponte tomada pela água. “Estávamos voltando de carro, mas assim que passamos por uma ponte, o trecho à frente estava muito alagado. Parei o carro, fui ver a profundidade da água, e estava na minha coxa, meu carro não atravessaria”. Ela ainda notou a ausência de sinal de internet ou telefone na estrada de terra, o que os deixou sem comunicação.
Sem saída, com frio, fome e o rio que continuava a subir, o grupo resolveu se aventurar pela mata atrás de algum local para se abrigar, apesar da escuridão com a chegada da noite e o solo encharcado. “Para atravessar alguns trechos, fomos nos segurando, formando uma corrente com os nossos braços. Senão, a correnteza nos derrubava”, descreve Richelli, que classifica o momento como “desesperador”.
No meio da mata, isolada de qualquer outro bairro residencial, o grupo encontrou uma casa com jacas penduradas na frente, e um cômodo que parecia ser um bar. De imediato, os amigos caminharam até a estrutura com telhado, para fugir da chuva. “Nós estávamos encharcados e precisávamos nos aquecer. Pensamos em ficar lá e ver se tinha alguém”.
Enquanto se protegia embaixo do telhado da casa, o grupo se deparou com um morador da região, conhecido como Zé Palito, que contou estar andando por aquela área para checar se outras pessoas que moravam ali precisavam de ajuda. “Perguntamos para ele se esse caminho que ele veio estava alagado, e ele disse que a água estava na altura do peito dele”, conta José Wallison, correspondente bancário de 44 anos que também estava no grupo de amigos.
Abrigo solidário
Da janela da casa, uma menina de 14 anos surpreendeu o grupo, aparecendo com uma lanterna. Segundo Wallison, eles perguntaram para a adolescente se o bar vendia algo quente, para que eles pudessem se aquecer. “Ela disse que não tinha, que o que vendiam lá era jaca, cerveja e cachaça. Nos vendo molhados e tremendo de frio, ela nos ofereceu umas toalhas”, conta ele.
Após ceder as toalhas para que se secassem, a menina entrou na casa e acordou a mãe, Cissa Santos, de 56 anos, para avisar que havia quatro pessoas na casa dela pedindo ajuda. “Dona Cissa foi um anjo que nos salvou. Quando ela viu a gente embaixo da chuva e encharcados, logo pediu para a gente entrar, e nos recebeu com muito cuidado e amor”, relata o correspondente bancário.
Compartilhar o pouco se transforma em muito
José Wallison enfatiza a importância do gesto da mulher em acolhe-los, mesmo morando em uma casa humilde e vivendo em claras condições de vulnerabilidade. “Havia bacias espalhadas em todos os cômodos, por causa das goteiras no telhado, e a casa estava toda molhada. Mesmo assim, ela frisou que não íamos ficar desabrigados. Até pediu para a filha fazer um café para a gente”, lembra.
“Os armários dela estavam vazios. Ela disse que não tinha muita coisa, mas o pouco que tinha, ela ia dividir. E nos ofereceu arroz com ovo. O arroz ela já tinha feito, e os ovos ela nos deu para fritar na hora. Durante a noite, ela nos emprestou um colchão de casal e outros dois de solteiro, que estavam molhados. Essa foi uma das maiores provas de empatia e amor que eu já pude viver nesta vida”, diz Wallison.
No dia seguinte, quando a água baixou, o grupo conseguiu ir embora, e prometeu a Cissa que tentaria ajudá-la de alguma forma. “O que ela fez por nós foi inesquecível. Ela nos salvou. Mesmo com muito pouco, ela não negou ajuda, e nos recebeu com muito cuidado e amor. Ajudar ela é o mínimo que podemos fazer”, conclui José Wallison.
Fonte: G1