Em 2007, a veterinária Claudia Kerber abriu a Redemar Alevinos, um laboratório em Ilhabela (SP) para produzir alevinos de peixes marinhos em escala comercial. “Estava cada vez mais difícil garantir produtividade na pesca extrativa, e tivemos a oportunidade de ir às Filipinas, Taiwan e Indonésia e aprender sobre maricultura”, conta ela, que antes de empreender tinha uma peixaria com o marido, Pedro Antonio dos Santos.
Na volta da viagem, o casal estudou outras experiências internacionais e montou protocolos para a criar alevinos segundo a realidade, a tecnologia e a legislação brasileiras. Entre 2013 e 2021, produziram beijupirá, e a partir de 2016 iniciaram a exploração da garoupa verdadeira, de alto valor comercial e demanda. Além de viabilizar o investimento, a reprodução colabora com a sustentabilidade da espécie, ameaçada de extinção.
O cultivo das garoupas tem como primeiro passo a desova. Dias depois os indivíduos começam a se alimentar de zooplâncton e então com ração. Com 60 dias de vida, com cerca de 2 gramas e 2,5 centímetros, os alevinos são vendidos para fazendas, que engordam os animais, ou para centros de pesquisa em universidades. Em 2018, a Redemar recebeu recursos da Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo (Fapesp) para experimentos com garoupas, incluindo a pioneira criação de protocolos para repovoamento da espécie.
Em parceria com a Associação Ambientalista Terra Viva e recursos da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, realizou o repovoamento de 20 mil alevinos da garoupa verdadeira em Ilhabela. Com o apoio do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), 5 mil garoupas foram soltas em Paraty e Angra dos Reis (RJ).
Desde 2021, a Redemar vende um pacote tecnológico para que empresas, laboratórios e universidades possam iniciar sua própria produção de alevinos de garoupas.
GLOSSÁRIO
– ALEVINOS: Formas jovens de peixes, que deixaram de ser larvas e ainda não atingiram a idade reprodutiva
– AQUICULTURA: Cultivo de organismos cujo ciclo de vida acontece em meio aquático. Pode ser continental ou marinha
– MARICULTURA: Aquicultura marinha, que ocorre no mar e estuários
“A maricultura é uma ótima alternativa para fornecer alimentos para a população, mas tem que ser feita de forma sustentável, porque as águas são interligadas e as más práticas refletem para todo o planeta.” Essa fala reflete a ação de Márcia Kafensztok, da Primar Aquacultura, primeira empresa brasileira com certificação orgânica para a produção de camarão (leia ao lado). Com clima favorável e demanda por proteína de qualidade, o potencial para cultivar crustáceos, peixes, macroalgas ou moluscos no país só aumenta. “O cenário da aquicultura evolui mais rápido do que o da pesca porque é possível ter um controle maior sobre o estoque de peixe em uma fazenda do que sobre o estoque do oceano”, ressalta oceanógrafo Martin Dias, diretor científico da Oceana.
No Brasil, a maricultura responde por apenas 6% da produção de pescados e é voltada a crustáceos (78%) e moluscos: Rio Grande do Norte e Ceará são os maiores criadores de camarão e Santa Catarina fornece mexilhão, ostra-do-pacífico e vieira. O Censo da Carcinicultura 2021 da Associação Brasileira de Criadores de Camarões (ABCC) indica que, nos últimos dez anos, o cultivo em fazendas marinhas do Ceará, maior produtor do país, cresceu 271%.
Se um aquicultor consegue trabalhar com mercado, comprador, vendedor, qualidade da água, vacinas e remédios, vai produzir peixe. Mesmo assim, não é simples. “É mais complexo fazer aquicultura marinha do que continental, e faltam políticas públicas voltadas para essa atividade”, afirma Wagner Valenti, professor de pós-graduação em Aquicultura da Universidade Estadual Paulista (Unesp). Ele defende a produção de peixes na água salgada, ao invés de nos rios, para priorizar o uso de água doce para outros fins, como irrigação para agricultura e uso humano.
Lições e vitórias da fazenda pioneira de camarões orgânicos
O Rio Grande do Norte é um dos estados com maior volume de camarão cultivado no Brasil. Mas a maricultura adotada por Márcia Kafensztok, da Primar Aquacultura, tem um diferencial: é a primeira fazenda marinha do país a produzir camarões orgânicos. Em funcionamento desde 1993, a Primar adotava práticas tradicionais, mas em 2002, Alexandre Wainberg, fundador da empresa e marido de Márcia (já falecido) resolveu estudar outras formas de produção. Durante dois anos, fez a transição da fazenda para o cultivo orgânico e a certificação, recebendo o selo IBD Orgânico.
“Enquanto uma produção intensiva chega a ter 400 camarões por metro quadrado e uma produção média tem 40 animais na mesma área, nos nossos viveiros temos apenas quatro camarões, não sendo necessário usar ração ou aeração do ambiente”, diz a carioca Márcia.
Em 2005 a fazenda ampliou suas atividades para produzir ostras, e em 2014 aprimorou a forma de cultivo de “sementes” das ostras até seus primeiros dias de vida, vendendo os animais ainda na fase juvenil para serem engordados. Agora inicia o cultivo de macroalgas, cavalos-marinhos e peixes. “Fazemos um cultivo em que diversos seres aquáticos e estuarinos convivem, como na natureza: as algas crescem na superfície e possibilitam a formação de zooplânctons, que são consumidos por cavalos-marinhos. Já as ostras se alimentam de microalgas, e os camarões ocupam a parte mais profunda”, conta.
Por ter um formato de sucesso e pioneiro de cultivo, a Primar recebe estudantes de 20 universidades e institutos federais para realizar pesquisas, além de trocar experiências com outros produtores. Também compõe um grupo de 36 entidades ao redor do Oceano Atlântico que pesquisa organismos de baixo nível trófico, como ostras ou pepinos-do-mar, e recebe recursos da União Europeia. Márcia, que antes de se dedicar à maricultura tinha uma agência de design gráfico em Natal, coleciona prêmios como o 4º Prêmio Mulheres do Agro, Top 100 Mundial de Histórias – Exemplo de Sustentabilidade e Prêmio Sebrae Mulher de Negócios 2022.
Para manter a sustentabilidade ambiental em toda a cadeia produtiva, a Primar restringe a venda de seus camarões para o próprio município de Tibau do Sul, onde fica a empresa, e para Natal. “Queremos ser um produto quase quilômetro zero, impulsionando o turismo local e valorizando consumidores que estão cada vez mais receptivos para o orgânico”, afirma Márcia. As exigências para a produção certificada incluem rígidas obrigatoriedades legais, processos para garantir a rastreabilidade e a informatização das etapas, o que aumenta os custos. Mas Márcia investe e acredita no impacto social e ambiental da Primar, que produz por ano 40 toneladas de camarão e 3 toneladas de ostras.
Fonte: Um Só Planeta