É segunda-feira de manhã de inverno. Mas ao invés de estar quietinha em sua casa nos Estados Unidos, Sylvia Earle, de 87 anos, está pronta para mergulhar no mar gelado do Rio de Janeiro. Com um sorriso no rosto e muita disposição, veste a roupa escura de mergulho, os equipamentos e cai na água ao lado de pesquisadores brasileiros. É a quarta vez que vem para o país falar sobre a importância do oceano para a vida, mas a primeira vez que mergulha no Brasil.
Sylvie é oceanógrafa há mais de 60 anos, atuou como pesquisadora e com políticas públicas nos Estados Unidos, e é reconhecida como ativista pelo equilíbrio dos oceanos. Fundou e preside até hoje a Mission Blue, organização que identifica Hope Spots, ou “pontos de esperança”, como são chamados os ambientes marinhos com alta biodiversidade e que estão com seu equilíbrio ameaçado. “Veja onde estamos! Em um local maravilhoso, perto de um grande centro urbano. Temos uma boa notícia: vocês estão cuidando da vida e quanto mais protegermos a natureza, maiores serão os benefícios, com oportunidades para resiliência, saúde, equilíbrio econômico e ecológico”, diz.
As águas cariocas que Sylvia conhece – e que Um Só Planeta acompanha de perto – fazem parte da seleta lista de 140 “pontos de esperança” do mundo: são as Ilhas Cagarras. Você já ouviu falar?
Elas ficam a 5 quilômetros da praia de Ipanema, de onde é possível avistar as quatro ilhas principais – Palmas, Comprida, Cagarra e Redonda – e duas ilhotas colorindo o horizonte, com palmeiras, paredões de pedra e vegetação exuberante. As ilhas também podem ser vistas de outros cartões postais do Rio de Janeiro, como as praias da Zona Sul da cidade, do acesso para a Barra da Tijuca, do alto do Cristo Redentor ou do Pão de Açúcar. Esses pedaços de terra e 10 metros de água do entorno compõem o Monumento Natural (MONA) das Ilhas Cagarras, unidade de conservação federal criada em 2010. Em 2021, o território que pertence ao MONA junto de outros trechos de águas ao seu redor, incluindo aí as praias da Zona Sul, recebeu esse título de “ponto de esperança” pela Mission Blue.
A presença de Sylvia por aqui tem o objetivo de chamar atenção dos governantes e da sociedade para a riqueza que as Cagarras têm dentro e fora da água. Durante as 6 horas em que estivemos pela região, vimos atobás-marrons, fragatas, arraias, cardumes de peixe-pedra e de marimbá. As enormes baleias jubarte, que frequentam as águas cariocas durante o inverno, apareceram algumas vezes no horizonte, lançando para o alto borrifos de água. E, para a surpresa de todos, duas baleias francas, o que é muito raro na área. É também comum encontrar tartarugas verdes e golfinhos, além de outras companhias menos agradáveis, como resíduos e esgoto vindos do emissário submarino, garrafas plásticas e pesca predatória. Aline Aguiar, coordenadora científica do Projeto Ilhas do Rio, responsável pela visita de Sylvia a Cagarras, diz: “O MONA Cagarras é tanto um exemplo de resistência quanto de resiliência, porque mesmo sofrendo ameaças diversas e impactos constantes, tem uma biodiversidade incrível. Percebemos que ao diminuir o impacto nos ambientes naturais, podemos dar chances para que os locais se recuperem e fiquem mais saudáveis”.
Trabalho em parceria
Muito trabalho tem sido feito: apenas no último ano, as equipes do ICMbio, gestor do MONA, e do Ilhas do Rio estiveram 154 vezes em Cagarras, tanto para ações de pesquisa quanto de monitoramento e gestão.
Essa parceria entre ICMBio e Ilhas do Rio vem sendo fortalecida desde a criação da Unidade de Conservação, em 2010. Aline e sua equipe desenvolvem pesquisas, como levantamento da biodiversidade marinha e terrestre das ilhas, e de monitoramento de poluição e qualidade da água. “Procuramos fazer ciência aplicada à conservação”, explica. Para que esses dados também possibilitem a tomada de decisões do ICMBio, grande parte das iniciativas parte do diálogo entre as instituições, com escuta sobre as prioridades da gestão e a necessidade de geração de conhecimentos. Tatiana Ribeiro, gestora do MONA Cagarras, conta: “É muito difícil encontrar um trabalho tão articulado e duradouro como este em Cagarras, entre ICMBio e Ilhas do Rio. Nós nos debruçamos sobre problemas e soluções, buscando resultados concretos, com benefícios para a unidade de conservação”.
O MONA Cagarras foi criado por sua beleza cênica e para proteger um dos maiores ninhais de fragatas e atobás do Atlântico Sul, além das espécies que vivem em seu entorno e algumas endêmicas (isso é, que só existem no local). Entre os achados, um sítio arqueológico de povos indígenas a mais de 200 metros de altura na ilha Redonda. Entre as novidades, um projeto que procura reverter a grande presença do capim colonião, espécie invasora, realizando a plantação de aroeira e outras espécies que sombreiam o capim e inibem seu crescimento. É possível visitar o MONA seguindo as regras estabelecidas para a Unidade de Conservação.
Oportunidade e urgência para proteger o oceano agora
As falas de Sylvia Earle durante a visita às Cagarras seguem em uma direção: dar protagonismo ao oceano, mostrar que estamos em um momento de ações urgentes e que proteger os ambientes marinhos é tão importante quanto os terrestres. “É um fato: a Terra é o planeta oceano. Tudo é um mesmo sistema: a Terra é verde e azul”. Ela lembra ainda que o oceano está totalmente ligado ao clima, porque é essencial para o equilíbrio planetário, inclusive de temperatura, e abriga recursos e a maior parte da vida. E continua: “Quando eu era pequena, não sabíamos que aquilo feito no oceano traria consequências. Achávamos que o oceano era infinito e teria capacidade de se recuperar, não importando o que tirássemos ou colocássemos nele. Mas agora nós sabemos que se o oceano está passando por problemas, nós também estamos”, diz.
O que muda nas Ilhas Cagarras ao serem identificadas como “pontos de esperança”? Aline, do Ilhas do Rio, conta que: “Esse reconhecimento alavanca a promoção das ilhas para uma escala mundial, dando visibilidade e possibilitando a troca entre outros ambientes com características semelhantes. É essencial conseguir mostrar que a conservação marinha não impede o crescimento econômico do país. Pelo contrário, gera ganhos a todos”.
Nesta quarta-feira (26), a pesquisadora Sylvia Earle participará do Seminário “Oceano e Clima – A conservação marinha no combate às mudanças climáticas no Brasil”, transmitido pelo YouTube do Projeto Ilhas do Rio e organizado pela Secretaria Municipal do Meio Ambiente e do Clima do Rio de Janeiro, e o Climate Hub Rio, da Columbia Global Centers.
Fonte: Um Só Planeta