O oceano cobre mais de 70% da área do planeta, sendo responsável por fornecer mais da metade do oxigênio que respiramos, absorver cerca de um terço das emissões de dióxido de carbono e participar da regulação climática na Terra. Mas a poluição marinha coloca em risco essas funções essenciais — antes mesmo que as compreendamos em detalhes.
Há uma corrida por mais conhecimento na área, expressa por iniciativas como a Década do Oceano 2021-2030, da Unesco, com o tema “A ciência que precisamos para o oceano que queremos.” Na fase atual, desde abril deste ano, a Unesco recebe inscrições de projetos científicos em 18 tópicos fundamentais, como restauração de ecossistemas marinhos e alimentação gerada nos oceanos. Entre os principais apoiadores desse esforço internacional estão seis governos (de Canadá, Coreia do Sul, Japão, Noruega, Portugal e Suécia) e 18 fundações de vários países, incluindo a brasileira Fundação Grupo Boticário. Espera-se que alguns resultados sejam vistos em abril de 2024, na Conferência da Década do Oceano, em Barcelona.
Um problema vem se destacando entre os demais. O plástico representa 85% dos resíduos marítimos, segundo relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), que enfrenta o problema por meio da plataforma Clean Seas (Mares Limpos), para conectar governos, ONGs e pessoas empenhadas na mudança. A estimativa é de que 5 milhões de toneladas de plástico estejam acumuladas nos mares, o equivalente a 100 navios Titanic. E, se nada for feito até 2040, esse volume deve triplicar. Mas é possível evitar essa tragédia. No Dia Mundial dos Oceanos (8 de junho), conheça cinco projetos que buscam preservar os mares do planeta.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_7d5b9b5029304d27b7ef8a7f28b4d70f/internal_photos/bs/2023/8/d/2XQ4mKQtav255TMEgkvQ/oceanos-limpeza-the-ocean-cleanup.jpg?quality=80&f=auto)
Seabed 2030
Criado em 2017, o projeto tem a nobre missão de revelar com precisão a topografia do fundo dos oceanos. Até o momento, o Seabed 2030 mapeou em alta resolução 24,9% do fundo do mar – quatro vezes mais que o percentual anterior ao programa (6%). O objetivo é fazer o mapeamento completo até 2030, divulgando os dados compilados gratuitamente.
Os mapas terão utilidades diversas, incluindo navegação segura, desenvolvimento científico e de infraestrutura, conservação da biodiversidade marinha, combate à poluição, previsão de desastres naturais, como tsunamis, e dos efeitos da mudança climática. Para se ter uma ideia, os dados do projeto ajudaram na descoberta científica de 19 mil vulcões submarinos este ano.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_7d5b9b5029304d27b7ef8a7f28b4d70f/internal_photos/bs/2023/p/f/b2r3rsQq2A3iV8K8hUVw/oceanos-nao-mapeados-projeto-seabed-2030-gebco2014.png?quality=80&f=auto)
“Apesar de cobrir mais de 70% do planeta, nosso conhecimento do que está abaixo da superfície azul é extremamente limitado. Sem essa informação crucial, não podemos ter um futuro sustentável. Um mapa completo do fundo do oceano é a ferramenta que faltava para nos permitir enfrentar alguns dos desafios ambientais mais prementes do nosso tempo”, afirmou Mitsuyuki Unno, diretor executivo da Fundação Nippon, durante a Conferência do Oceano das Nações Unidas (ONU), em Lisboa (Portugal), no lançamento da iniciativa.
A entidade japonesa é responsável pelo projeto, feito em colaboração com a Carta Batimétrica Geral dos Oceanos (GEBCO, na sigla em inglês), um grupo internacional de pesquisadores. A iniciativa é uma das ações endossadas na Década dos Oceanos da ONU, contando com ajuda de técnicas modernas de satélites, radares e sonares, dados coletados por governos, instituições acadêmicas e iniciativa privada em diferentes lugares do mundo através de medições de profundidade dos oceanos. E busca mais apoio para manter a pesquisa de alto custo e atingir a meta de mapear 100% do fundo do mar.
“Em seis anos, aumentamos de 22 milhões para 90 milhões de quilômetros quadrados o leito oceânico mapeado. Isso equivale ao dobro da área da Ásia. É uma conquista e tanto. E também significa que estamos apenas no começo, com 75% do fundo do mar por mapear”, disse Evert Flier, presidente do Comitê Orientador da GEBCO.
Fundos azuis nas Ilhas Galápagos
O governo equatoriano anunciou em maio deste ano a troca de parte de sua dívida em favor da conservação marinha das Ilhas Galápagos, na maior troca de “títulos azuis” do mundo. A operação converte US$ 1,6 bilhão de dívida comercial em um empréstimo de US$ 656 milhões financiado por um título emitido pelo Credit Suisse.
As conversões de “dívida por natureza” já foram realizadas em países como Belize, Seychelles e Brasil, resultando na destinação de US$ 167 milhões para atividades de conservação desde 1987. Mas o acordo equatoriano é, de longe, o maior até o momento. Ele envolve uma economia de mais de US$ 1 bilhão por meio da redução dos custos do serviço da dívida e um total de US$ 450 milhões para a conservação marinha.
Chamado de Galápagos Marine Bond, o título tem validade de até 2041 e a taxa de juros é de 5,645%. É menor do que os rendimentos de 17% e 26% dos títulos soberanos do país, mas o novo investimento é menos arriscado, incluindo uma garantia de crédito de 85 milhões de dólares do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e de US$ 656 milhões de seguro de risco político do International Development Finance Corp (DFC) dos Estados Unidos. Além disso, um grupo de 11 seguradoras privadas fornece 50% de resseguro ao projeto.
A conversão da dívida deve gerar cerca de US$ 323 milhões para a conservação marinha nas Ilhas Galápagos nos próximos 18 anos, incluindo US$ 5,4 milhões em doações anuais à organização sem fins lucrativos Galapagos Life Fund (GLF). Combinadas, a conversão da dívida e a doação gerarão mais de US$ 450 milhões para a conservação marinha local. Há críticas sobre o papel de agentes privados e com fins lucrativos na gestão dos fundos, mas o projeto abre um importante campo de testes em finanças ambientais. Quando o Equador terminar de pagar o empréstimo, em 2040, espera-se que um total de US$ 227 milhões em ativos de doação seja suficiente para a entidade seguir financiando atividades de conservação no futuro.
Após a recompra da dívida equatoriana com 60% de desconto, o ministro das Relações Exteriores do Equador, Gustavo Manrique Miranda, declarou que a biodiversidade agora é uma “moeda” valiosa. “Esses fundos promoverão a resiliência climática e apoiarão a pesca sustentável, dando assim um passo crucial em direção a uma transição financeira onde diplomacia, conservação e finanças caminham juntos rumo ao bem-estar geral.”
As Ilhas Galápagos, que ficam a cerca de 900 km da costa continental do Equador, fazem parte de um dos ecossistemas marinhos mais importantes do mundo, com uma grande variedade de espécies únicas da região, que é usada também para migração de tubarões, baleias e tartarugas. Embora quase 200 mil quilômetros quadrados de oceano ao redor das ilhas sejam preservados como parte de uma reserva ambiental, as águas ao redor têm sido alvo da pesca ilegal em massa.
PSA Mar Sem Lixo
No litoral de São Paulo, é comum os pescadores de arrasto de camarão relatarem que, com o crustáceo, a rede traz junto muito lixo. Alguns levavam o resíduo à costa enquanto outros o devolviam ao mar. Para incentivar a recolha de resíduos por esses profissionais e a destinação correta do material, a Fundação Florestal, órgão vinculado à Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do Estado de São Paulo, implementou o projeto Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA) Mar sem Lixo em junho de 2022. A iniciativa paga de R$15 a R$600 a pescadores que coletam lixo em cidades do litoral paulista.
Funciona assim: o pescador artesanal adere ao projeto e entrega o lixo pescado acidentalmente em Pontos de Recebimento de Resíduos retirados do Mar instalados pela fundação nos três municípios participantes – Cananéia, Itanhaém e Ubatuba. O resíduo é pesado e, ao final de cada mês, o total recolhido é convertido em reais. O valor é creditado em vale alimentação aos participantes. Os resíduos são triados e destinados corretamente pela Prefeitura.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_7d5b9b5029304d27b7ef8a7f28b4d70f/internal_photos/bs/2023/u/2/bztq3pRtWIA8wO5FgwEQ/oceanos-projeto-mar-sem-lixo-2023-divulgacao-fundacao-florestal-gov-sp.jpeg?quality=80&f=auto)
O projeto acontece nove meses por ano, sendo suspenso de fevereiro a abril, época de defeso do camarão. Em seu primeiro ano de atividade, reuniu 70 pescadores de arrasto de camarão, que receberam R$23.900 pela entrega de cerca de duas toneladas de resíduos. A meta é estender a iniciativa a todas as áreas de pesca artesanal, incluindo outras modalidades para além do arrasto de camarão, nos 15 municípios do litoral paulista.
A iniciativa ainda desenvolve atividades de educação ambiental e fornece dados sobre a questão do lixo no mar para instituições de pesquisa e para subsidiar políticas públicas. Foram realizadas até o momento mais de 200 atividades educativas envolvendo 1.500 pessoas e analisadas as características dos resíduos retirados do mar. Uma das conclusões é de que 90% deles são plásticos.
“A Fundação Florestal acredita que o projeto contribui para a proteção dos oceanos na medida em que torna os pescadores protagonistas e aliados da conservação”, afirma Sandra Leite, assessora da entidade e integrante do programa. Estados como Amazonas, Bahia, Ceará e Maranhão demonstram interesse em adotar o projeto, adaptando-o à realidade local. Também há diálogos com parceiros internacionais na Espanha e nos Estados Unidos para incorporação de novas tecnologias à iniciativa brasileira.
The Ocean Cleanup
Aos 16 anos de idade, o jovem holandês Boyan Slat decidiu se dedicar à limpeza do mar. O ímpeto surgiu após observar mais sacos plásticos do que peixes durante um mergulho na Grécia. Aos 29 anos, ele está à frente da ONG The Ocean Cleanup com um objetivo bastante ambicioso: retirar 80% do plástico dos oceanos até 2030 e 90% até 2040.
Para realizar essa missão, o CEO e fundador da organização criou, aos 18 anos, um sistema que funciona como uma barragem flutuante móvel. Levada por dois barcos, essa espécie de rede vai cercando e coletando o lixo por onde passa. Uma abertura no fundo permite que os animais marinhos escapem. Ao encher, a rede é fechada e descarregada em um dos barcos. Quando os dois navios atingem o volume máximo, o resíduo, que inclui do plástico visível ao microplástico, é levado para a reciclagem.
A ONG usa modelos computacionais para prever os pontos onde o lixo tem mais chances de se acumular e é assim que são definidos os locais de limpeza.
A criação levou ao reconhecimento de Boyan Slat como “Campeão do Planeta” pela ONU (Organização das Nações Unidas), em 2014. Nessa época, ele também apareceu entre jovens promissores nas listas das revistas Forbes e Time. A visibilidade atraiu investidores de peso, incluindo as empresas Maersk, Coca-Cola e o governo holandês, além de mais de 2 milhões de dólares através de uma campanha de financiamento coletivo.
Dessa forma, Boyan Slat pôde avançar para uma segunda invenção. Buscando prevenir que o lixo chegue aos oceanos, ele desenvolveu os “interceptadores”: equipamentos que detêm o resíduo diretamente na foz dos rios. Eles funcionam criando uma barreira para o plástico e são movidos a energia solar. No total, são dez interceptadores funcionando atualmente em diferentes lugares do mundo, como Indonésia, Malásia e Estados Unidos.
Desde que as operações de recolhimento de lixo efetivamente começaram, em 2019, mais de duas mil toneladas foram retiradas de rios e oceanos pelos sistemas da ONG. Para atingir a ambiciosa meta de livrar os oceanos de 90% do plástico, a entidade pretende aumentar de 1 para 10 os sistemas em operação na Grande Mancha de Lixo do Oceano Pacífico, além de escalar seus interceptadores a mil rios que concentram 80% da poluição fluvial. Os planos incluem trazer o sistema para o Brasil.
Proibição de plásticos descartáveis na UE
Recolher o plástico dos mares e rios é apenas uma das ações necessárias para resolver a poluição oceânica. Frear a produção do plástico é outra estratégia essencial. Diversos países adotam proibições de comercialização e de uso de itens plásticos descartáveis que já possuem substitutos biodegradáveis.
É o caso dos 27 estados membros da União Europeia (UE). Desde 3 de julho de 2021, dez tipos de descartáveis mais encontrados nas praias europeias, incluindo pratos, talheres, copos e canudos, já não podem ser comercializados ali. A Diretiva de Plásticos de Uso Único (SUPD), criada em 2019, prevê ainda que fabricantes de produtos como filtros de cigarro e embalagens de alimentos cubram os gastos com gestão de resíduos, coleta de dados e campanhas de conscientização sobre a destinação correta para o lixo.
Entre as metas estabelecidas estão a redução de resíduos de embalagens em até 15% até 2040; que 90% das garrafas plásticas colocadas no mercado sejam recicladas até 2029; e que todas as garrafas com pelo menos 30% de plástico reciclado em sua fabricação até 2030. O progresso das medidas é monitorado pela Comissão Europeia.
As regras visam prevenir e reduzir o impacto do plástico no ambiente, em particular o marinho, e na saúde humana. O objetivo final é atingir um modelo de economia circular no qual todos os plásticos descartáveis remanescentes sejam reutilizáveis ou recicláveis até 2030. A diretiva também contribui para a ambição de poluição zero da UE, incluindo a meta de reduzir o lixo plástico marinho em pelo menos 50% até 2030.
Alguns países mostram mais progresso do que outros no cumprimento da nova legislação, de acordo com um relatório de 2022 do Seas at Risk, associação europeia que reúne entidades ambientais. Enquanto alguns estados membros foram além – incluindo a França, que proibiu embalagens plásticas para produtos e restaurantes de fast food este ano -, outros caminham a passos lentos. Há ainda os que negligenciam ou infringem algumas das medidas. No ano passado, a Comissão Europeia anunciou medidas legais contra 11 membros da UE, incluindo Bélgica, Irlanda e Portugal, por descumprirem as normas.
“A legislação da UE para lidar com a poluição por plásticos descartáveis tem potencial para ser líder mundial. Mas isso só será possível se os governos resolverem essas lacunas restantes”, disse Frédérique Mongodin, diretor sênior de Política de Lixo Marinho da Seas at Risk.
Na avaliação de especialistas, as regras e metas propostas pela UE são mais sistêmicas do que as existentes até então, podendo influenciar positivamente o modelo de proibição de plásticos em todo o globo. Em 2023, o Reino Unido, por exemplo, apresentou um plano parecido com o da UE.
Fonte: Um Só Planeta