Geraldona, uma fêmea de boto-de-Lahille de cerca de 40 anos, foi flagrada pela primeira vez dando saltos e mostrando todo o seu corpo fora d’água na barra do Rio Tramandaí, no Litoral Norte do RS, na terça-feira (9). Essa espécie de botos é conhecida por interagir e ajudar pescadores, na chamada pesca colaborativa, considerada um traço cultural único da região.
A mais velha entre os cerca de 15 botos que vivem na barra do Rio Tramandaí, entre Tramandaí e Imbé, Geraldona é o símbolo da pesca colaborativa. Irmã de dois, mãe de cinco e avó de três botos-de-Lahille, ela nunca havia mostrado o corpo inteiro fora da água turva do local.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_59edd422c0c84a879bd37670ae4f538a/internal_photos/bs/2023/D/5/s9kMG2Q4eFT3Lv9IFIIA/g1.png?quality=80&f=auto)
Nesta região, os animais são tão próximos dos humanos que ganham até nomes, como os filhos de Geraldona, chamados Rubinha, Chiquinho e Furacão, e a neta, Esperança. Para Ignácio Moreno, coordenador do projeto Botos da Barra, que acompanha Geraldona desde 1992, as fotos são um marco importante no estudo do animal, já que ele passa a maior parte do tempo submserso na água escura.
“Foram três saltos seguidos. É muito raro. É a primeira vez. Ela é um dos botos mais frequentes, conheci ela em 1992 e nunca tinha visto saltar inteira para fora d’água. No dia das fotos, eles estavam todos bem agitados, com filhotes, então pode ser que estavam se divertindo ou ensinando os filhotes, é difícil saber ao certo”, explica Moreno.
O boto-de-Lahille é caracterizado pela Fauna Digital da UFRGS como um indivíduo que vive em sociedades complexas, onde o cuidado parental é realizado pelas mães, mas a convivência entre os membros do grupo também é importante.
De acordo com Moreno, a proibição do tráfego de veículos aquáticos na região, como jet skis e pranchas de kite surf, aumentou a incidência dos animais no Rio Tramandaí.
Pesca colaborativa
Os Botos-de-Lahille tiveram sua espécie, a Tursiops gephyreus, reconhecida há poucos anos e são famosos por colaborarem com pescadores. A prática é única desta parte do Brasil e repetida somente em Mianmar, no Sudeste da Ásia, com outra espécie. Não se sabe quando a pesca colaborativa entre seres humanos e botos começou, e a prática ainda não é totalmente explicada por pesquisadores.
“A gente estuda há anos e sabe muito pouco, isso que faz a ciência ser tão interessante”.
Na pesca colaborativa, o boto cerca as tainhas, as aproxima do canal e indica o cardume aos pescadores. O sinal para os pescadores se dá quando o mamífero tira a cabeça pra fora d’água. É o alerta de que a tainha está a caminho e é hora de jogar as tarrafas, que são lançadas simultaneamente, cobrindo o espaço entre os botos e os pescadores.
De acordo com o professor, os pescadores gaúchos e catarinenses, em especial no limite entre Tramandaí e Imbé, além de Laguna, tratam os animais como companheiros. No estuário do Rio Mampituba, em Torres, a pesca cooperativa também ocorre ocasionalmente. São verdadeiros auxiliares na pesca, indicando locais com melhor distribuição de peixes.
Segundo pesquisadores, atualmente existem cerca de 600 botos-de-Lahille adultos, e a espécie corre risco de extinção. Seu desaparecimento está associado aos impactos antrópicos da população: lixo doméstico, plástico nos mares, tráfego de embarcações e motos aquáticas.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_59edd422c0c84a879bd37670ae4f538a/internal_photos/bs/2023/H/K/k7juk0QMW4kLBvZj0ssA/9cd05319-8550-4c0f-9a9f-0b9aa0d258d7.jpg?quality=80&f=auto)
Fonte: G1